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Arieli Groff

Não é perda, é roubo

Não posso e não quero ser a ladra da minha filha. Preciso ser farol para que a luz dela siga encontrando reflexos para brilhar

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Sempre me questionei em que momento da vida as crianças perdem a espontaneidade, começam a ter vergonha e deixam de se expressar livremente. E desde que me tornei mãe um dos maiores alertas que mantenho aceso é não contribuir para a antecipação desse momento. Se puder ajudar a manter a essência presente então, uhuuuu!!

Eis que, há algum tempo já, venho me dando conta de que esse momento chegou. E que eu não devo somente não atrapalhar: tenho o compromisso, como mãe, de auxiliar minha filha a se manter orgulhosa de quem ela é, expressando suas ideias, sua luz, sua potência. Me dei conta de que as crianças não perdem a espontaneidade. Os adultos é que a retiram delas.

Minha filha vive um momento de plena imaginação, de amigos imaginários (ao menos para mim), realidades inventadas, conversas aleatórias, em que fica evidente a força dos milhões de conexões cerebrais que acontecem por segundo na cabeça de uma criança. Ela fala sozinha, cria histórias, viaja de um país a outro em segundos, vive em um universo imaginado e expressa isso a todo momento. Conta para cada pessoa que ela tem acesso, participa de conversas entre os meus amigos e do meu marido nas quais pede um espaço para contar sobre a casa dela, a rotina, a Márcia, o Lúcio (quem sabe um dia eu tenha o privilégio de conhecê-los como minha filha os conhece...).

Então me dei conta de que talvez nosso primeiro impulso como adultos seja querer frear tudo isso, pela vergonha. Mas não a vergonha das crianças, a nossa vergonha de sustentar a criatividade, a imaginação fértil e poderosa que nos tira da nossa zona de conforto, que nos impulsiona para fora do nosso piloto automático e da seriedade chata que, muitas vezes, impomos à nossa rotina e às nossas vidas.

Entendi, finalmente, quando as crianças perdem a espontaneidade, e esse momento não é uma perda, é um roubo. É quando as crianças nos confrontam, com aquilo que deixamos de ser e do que nos esquecemos que somos capazes, que nós adultos roubamos delas a sua essência. É nesse momento que passamos a ensinar que, para ser aceito, precisamos caber em um molde pré-estabelecido. Fizeram isso comigo, fizeram isso com você provavelmente. 

E o resto da história você já sabe: uma vida automática, desconectada de quem somos e do que desejamos de fato viver, onde aprendemos a caber na expectativa do outro e não a pertencer a nós mesmas. Uma vida onde a essência se perdeu da nossa alma pelo caminho.

Não posso e não quero ser a ladra da minha filha. Preciso ser farol para que a luz dela siga encontrando reflexos para brilhar.

por Arieli Groff

Arieli Groff é mãe da Maitê e psicóloga, especializada em Luto Adulto e Infantil e Teoria do Apego. Idealizadora do Instituto Pirilampos voltado para maternidade e infância. autora e organizadora dos livros “Quando uma mãe nasce”, “Que medo é esse?” e “Toda mãe tem histórias para contar”.


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