capa
Arieli Groff

Saudades de mim

Ando sentindo falta de tudo e de toda que já fui e quem um dia sonhei que pudesse vir a ser

publicidade

Ando com saudades de mim. Saudade daquelas do pensamento vagar ao mesmo tempo que o tempo para e tudo parece ficar em suspenso por um instante. Ando sentindo falta de tudo e de toda que já fui e quem um dia sonhei que pudesse vir a ser.

Essa saudade não fala sobre arrependimentos, tampouco sobre desgostar do que hoje tenho e sou. Mas ela diz muito sobre as partes de mim que ficaram pelo caminho para justamente chegar onde estou. Essa saudade que aperta é sobre o que precisei abrir mão para me construir e seguir reconstruindo.

Há alguns dias me deparei com fotos minhas de alguns anos atrás. Parei por alguns instantes a olhar para aquela que se mostrava naquelas fotografias. Vi uma parte de mim que não existe mais, que abriu espaços para que sonhos se realizassem, para que prioridades fossem alteradas, para que o inesperado acontecesse, mas que também deixa saudade de muitas partes que me fazem falta: do riso mais solto, de menos responsabilidades, da pele com mais colágeno, preocupações menos complexas, disponibilidade maior para o que e quem me fizesse bem, espaços para estar em minha própria companhia e maiores oportunidades de vivenciar a minha solitude.

Entre todas as transformações, a maternidade foi a que chegou mudando tudo do jeito mais veloz e intenso de todos. Trouxe paz e tempestades, me invadiu com coragens inimagináveis ao mesmo tempo que me apresentou aos medos mais insanos, me mostrou o maior e mais potente amor no exato instante em que instalou essa saudade de mim mesma...

Lembro no auge do meu puerpério, me encarar no espelho do banheiro, e ter a clara sensação de olhar para uma completa desconhecida. Eu me estranhei fisicamente, não havia reconhecimento algum, tampouco intimidade, com quem eu via refletida. Me deu medo, insegurança, confusão e também o vislumbre rápido de muitas possibilidades para serem construídas. Mas isso foi bem rápido. Não reconhecer quem refletia naquela imagem, foi mais assustador do que qualquer outra coisa.

Hoje, ao olhar essas fotos e os espelhos, a sensação de estranheza é menor, o desconhecido já não me assusta, tanto, mas a saudade do que não enxergo mais se faz maior. Talvez por um bocado de costume, talvez pela clareza mais concreta de que aquela de outrora, de fato, vem encontrando poucos espaços e oportunidades de me habitar.

Enquanto lido com essa saudade de mim e vou abrindo espaços para o que sou e em quem ainda posso me construir ao mesmo tempo em que vou redescobrindo a familiaridade e buscando tecer intimidade com o reflexo que vejo, também faço convites para que algumas partes minhas, essas que foram ficando pelo caminho, possam me visitar, fazer companhia e quem sabe passar uma temporada juntas. Afinal, elas ainda dizem muito sobre mim...

Enquanto escrevo esse texto, a música de fundo que ecoa é “You are my sunshine”, não por acaso, escolhi mesmo ela: “ You make me happy when skies are gray / You'll never know, dear, how much I love you / Please don't take my sunshine away…

Que essa que sou e sigo construindo nunca abandone aquela que me trouxe até aqui...

por Arieli Groff

Arieli Groff é mãe da Maitê e psicóloga, especializada em Luto Adulto e Infantil e Teoria do Apego. Idealizadora do Instituto Pirilampos voltado para maternidade e infância. autora e organizadora dos livros “Quando uma mãe nasce”, “Que medo é esse?” e “Toda mãe tem histórias para contar”.


compartilhe