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Madeleine Muller

O plástico dos oceanos e a moda: uma parceria perfeita?

Quando lemos sobre as diversas iniciativas para resgatar o lixo plástico dos oceanos e reciclá-los para a indústria da moda, temos a ilusão de estar resolvendo boa parte do problema

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O ano novo inicia, as esperanças se renovam e nós, que trabalhamos no universo da moda, seguimos prestando atenção aos problemas do nosso tempo, sendo a poluição nos oceanos um deles. De acordo com a ONU, cerca de 80% da poluição marinha e costeira tem origem terrestre, por meio do escoamento de rejeitos agrícolas, como agrotóxicos e fertilizantes (fósforo e nitrogênio), descarte irregular de plástico e esgoto sem tratamento. O programa das nações unidas para o meio ambiente-PNUMA- explica que 89% do lixo plástico encontrado no leito do oceano são materiais de uso único, a exemplo de sacolas plásticas.

Na Grande Porção de Lixo do Pacífico, uma região do oceano entre o Havaí e a Califórnia onde há uma imensa concentração de resíduos na superfície, encontrou-se 1,8 trilhão de fragmentos de plástico, que somaram 80 mil toneladas em uma área de 1,6 milhão de quilômetros quadrados.

A problemática dos plásticos

Quando lemos sobre as diversas iniciativas para resgatar o lixo plástico dos oceanos e reciclá-los para a indústria da moda, temos a ilusão de estar resolvendo boa parte do problema, mas a epidemia de plásticos ainda é uma questão gigantesca e complexa, mesmo com as melhores intenções de quem quer fazer a diferença no quesito ambiental e trazer inovação ao setor. Realmente, parece o sonho de um ambientalista: resgatar milhões de toneladas de plástico de nossos oceanos para transformá-las em fibras que podem produzir qualquer coisa, desde embalagens a calças de ioga.

É um antídoto bem-vindo às imagens assustadoras da Grande Porção de Lixo do Pacífico e de tartarugas presas em redes, que evidenciam as consequências nefastas dessa epidemia plástica. Infelizmente, é preciso tocar nesses assuntos para que se faça algo concretamente falando: A problemática dos plásticos é tão grande que, estima-se, em 2050, se tenha mais plásticos do que peixes no oceano! Essa conclusão foi feita em 2016, pelo Fórum Econômico Mundial de Davos, responsável por abordar questões urgentes, com base nos estudos propostos pela velejadora Ellen MacArthur, em parceria com a consultora McKinsey. A proporção de toneladas de plástico para peixes obtida em 2014 foi de 1 para 5, em 2025 será de 1 para 3 e de 2050, terá mais plásticos do que peixes nessa proporção!

Ora vejamos, a produção global de plástico começou na década de 1950 e hoje aumentou para 359 milhões de toneladas por ano. Para colocá-lo em perspectiva, isso é aproximadamente o peso total da população humana produzido em plástico todos os anos, sufocando nosso meio ambiente. Em 2010, 275 milhões de toneladas métricas de resíduos plásticos foram geradas pelos países costeiros, dos quais 5 a 13 milhões de toneladas entraram no oceano. Países com má gestão de resíduos e falta de água potável são particularmente propensos a vazar quantidades monstruosas de plástico em suas vias navegáveis.

A iniciativa de Kelly Slater

Com isso em mente, muitas empresas de vestuário e fabricantes de têxteis se uniram no esforço de criar tecidos duráveis e de qualidade a partir do plástico oceânico. ECONYL, um dos maiores fornecedores de fibra plástica oceânica, cria seu material a partir de pelo menos 50% de redes de pesca recuperadas e tapetes pós consumo. Atentos aos novos materiais, alguns atletas e designers resolveram investir em mudanças na cadeia da moda. Acompanhando a iniciativa do Kelly Slater, surfista mundialmente conhecido que criou sua marca de roupas em 2014 dentro desse princípio-transformar o lixo oceânico, especialmente redes de pesca, em roupas-  eu própria me interessei ainda mais pela temática e venho prestando atenção nisso.

A Outerknown, marca do surfista, tem logística reversa e, promete, suas peças, depois de desgastadas pelo uso, podem ser recicladas novamente em uma camisa ou jaqueta novinha em folha. A linha de roupas chamada de “Série Evolução“, foram pensadas por Kelly Slater, amante da natureza, como todo surfista, depois de passar praticamente toda sua vida no mar, apostando na ideia de reciclar redes de pesca de nylon e garrafas plásticas, resíduos tão comuns no oceano, em roupas.

Slater resolveu empreender e apostou na sustentabilidade: fez uma parceria com o designer de moda masculina John Moore e a Aquafil, um fabricante italiano que recicla redes antigas, juntamente com tapetes e outros resíduos de nylon, em um novo fio chamado Econyl, que é o mesmo tecido utilizado por outras marcas de moda sustentável, como a espanhola Ecoalf e a italiana Wave-O. Atualmente a marca Outerknown faz parte do conglomerado Kering, também proprietário da Gucci, Balenciaga e Saint Laurent, apenas para citar algumas.

O Econyl é a salvação?

Não, não é, mas é melhor do que o nylon comum. O Econyl é um material semelhante ao nylon, feito inteiramente de resíduos reciclados do oceano e de aterros, como plástico industrial, restos de tecidos de empresas de confecção, e se mostra como uma alternativa geralmente bastante resistente, como o nylon, mas contém PET também. Ele pode ser facilmente utilizado em tudo, desde roupas a têxteis industriais e é bastante elástico quando tecido, embora não seja elástico em sua forma bruta. Entretanto, mesmo que a elasticidade seja um de seus principais atrativos, o Econyl carece de durabilidade e, infelizmente, não absorve a umidade.

Outro ponto fraco do Econyl é que ele é altamente inflamável, derrete se pegar fogo e pode até mesmo derreter quando lavado em temperaturas muito altas. As lavagens, como se vê, são um ponto crítico para essas fibras. Elas até podem ser recicladas infinitamente, mas o custo disso também é alto. As roupas nesses materiais também: Prada, Gucci e Stella Mac Cartney já usam o tecido em suas coleções, e não se pode dizer que elas são acessíveis...

Essa questão é complexa na medida em que, ainda que se retirem os plásticos do oceano, as redes de pesca de nylon sejam transformadas em roupas e calçados (Adidas tb tem um ótimo projeto), etc. esses materiais sintéticos, com suas constantes lavagens ainda acabam produzindo os temíveis micro plásticos (mas não só, as lavagens não são as únicas culpadas, obviamente) que se soltam das fibras sintéticas e também vão parar nos oceanos. É por isso que não existe ainda uma solução perfeita do ponto de vista ecológico, pois algum impacto sempre será causado. Não existe o 100% sustentável, mas já há ótimas alternativas aos materiais considerados poluidores.

Normalmente, o nylon tem um impacto prejudicial ao meio ambiente, mas, ao usar materiais reciclados para fazer economia, o impacto é reduzido consideravelmente. Enquanto isso, vamos nós também fazendo a nossa parte pois, certamente, se consumirmos menos e fizermos melhores escolhas, prolongando o tempo de uso de nossas coisas, teremos mais chances de colaborar com a preservação do meio ambiente.

Para saber mais sobre o Econyl: www.econyl.com

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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