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Madeleine Muller

A volta do Size 0

Um retorno ao passado ou um retrocesso nas conquistas femininas?

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Quando eu era modelo, nos anos 80 e 90, existiam duas estéticas que me fizeram correr atrás do tal “corpo ideal”, sem me questionar muito se aquilo era saudável ou não, e se o meu biótipo permitia essas transformações. Da mesma forma, eu sequer me perguntava acerca desse adjetivo, ideal - “ideal para quem?’- pois estava normalizada a padronização dos corpos nas passarelas, fossem eles sarados nos anos 80 (com a febre das academias) ou quase anoréxicos nos 90 (efeito Kate Moss, reinserindo a estética Twiggy e seu corpo sem curvas, quase infantil). 

Quem não estivesse nas medidas do tal padrão, que procurasse outra profissão. As próprias agências de modelo incentivavam e justificavam que esse era “o corpo do mercado”, o que os estilistas queriam.

Um retorno ao passado ou um retrocesso nas conquistas femininas?

É claro que, por ser a moda cíclica, ela vai e volta não só nas roupas, mas na aparência pessoal em si, e isso não vem de agora: desde os anos 60, o corpo magro é considerado o padrão de beleza ideal para mulheres. Com o tempo, isso foi se intensificando, tanto que, na virada dos anos 2000, o culto à magreza foi tão grande, que se tornou uma preocupação pública mundial. 

Lendo uma recente matéria sobre as Kardashians,(sempre elas!), envolvidas na recente polêmica do emagrecimento ao custo que for, tenho de concordar com o site  Steal the Look, que reacendeu meus temores sobre a volta da expressão “size 0”, isto é “tamanho 0” – referência aos tamanhos de roupas tão pequenos que não possuem numerações – trazendo casos estarrecedores de mulheres influenciadas por esse padrão impossível, destacado inclusive nas manchetes dos jornais, muitas vezes no contexto do crescimento do número de distúrbios alimentares e casos de morte de modelos envolvendo anorexia, bulimia e outros distúrbios. Uma tristeza, realmente!

A volta da estética dos anos 2000

Se olharmos para os anos 2000, a estética da moda como um todo, girava em torno da magreza. Não se viam modelos plus size ou maduras nas passarelas, e as negras eram sempre minoria, denotando pouca diversidade racial, etária, e de tamanhos, mas o peso/medidas era algo comum: todas eram altas e magérrimas, as grandes criações de moda só eram valorizadas e aceitas em corpos magros - pense na cintura baixíssima, no cós estreito ou nas saias que mais pareciam um cinto -, ser magra era a tendência, e essa “tendência” foi tão devastadora no início da década, que modelos estavam adoecendo e até morrendo pela busca incessante e inalcançável do size 0, o que fez com que surgissem debates, mudanças e até leis para proteger jovens mulheres, muito influenciáveis pela mídia e os ditames das revistas e das passarelas-isso antes das redes sociais!

O pesadelo anoréxico e as influencers que os disseminam

Contudo, o pesadelo anoréxico está de volta, vinte anos depois, trazendo novamente as mesmas preocupações em torno do size 0, só mudando as protagonistas e as plataformas, e todos aqueles esforços para que as mulheres parassem de se torturar com essa busca por um padrão impossível, foram por água abaixo: estamos vivendo um possível e aterrorizante retorno a esses dias sombrios.

Quem quiser saber um pouco mais sobre isso, busque nas redes sociais ou assista o filme Gia, estrelado por Angelina Jolie, um retrato fiel do que acontecia nos anos 90, com as desavisadas que também trilharam o caminho da chamada “heroin chic”, sim, porque um problema levava ao outro, era um caminho sem volta...

Reativando o gatilho da obsessão com a magreza as irmãs Kardashian, Kim e Khloe, outrora libertadoras das curvas femininas, surgem repentinamente magras como palitos após dietas e procedimentos cirúrgicos, desfazendo ou minando todo o trabalho de autoaceitação de tantas mulheres que não conseguiam se encaixar nos padrões impostos e se sentiam, até então,  validadas pelas irmãs de curvas generosas e sex appeal à flor da pele.

Leio, estarrecida,  Kim anunciar numa entrevista que, se preciso fosse, comeria até fezes para emagrecer-inclusive perdeu cerca de 20 Kgs em 3 semanas, pondo em risco sua própria saúde, tudo para entrar num vestido icônico que pertenceu à Marilyn Monroe-tão curvilínea quanto ela, porém menor.

Encerro esta coluna fazendo uma reflexão e pedindo às jovens que reflitam também: vestir a saia ou calça saint tropez da moda vale todo esse sacrifício e riscos para a saúde, físicos e mentais? Onde estão as influencers do Body Positive para fazer o contraponto dessa tendência doentia que atinge principalmente as meninas mais jovens?

No Brasil, os atendimentos de distúrbios alimentares que costumavam ficar entre os 15 e os 18 anos, agora já estão com muitos casos de 10 a 13 anos! É chocante e urgente debater sobre essas questões que envolvem a indústria da moda e as celebridades sem noção, alertando as novas gerações para que façam escolhas mais conscientes e não endossem as estatísticas desses transtornos.

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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