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Madeleine Muller

Desfiles: o eterno vai e vem das passarelas

Neste momento de retomada, é inegável que os desfiles seguem sendo um potente recurso promocional e de visibilidade

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Vocês lembram que, durante a pandemia, as marcas tiveram de se reinventar para apresentar seus produtos e migrar rapidamente para o online, sob pena de ficarem fora do jogo? Sim, porque mesmo sem as apresentações presenciais, as pessoas mantiveram seu interesse pela moda e seguiram consumindo, através dos aplicativos e e-commerces, em geral. O consumo se modificou, mas ainda assim tivemos consumo.

Muitos pequenos negócios fecharam, alguns precisaram se reposicionar, outros ainda estão se recuperando, mas os grandes players seguiram vendendo - talvez não nas mesmas proporções, mas o suficiente para continuarem no mercado e se manterem relevantes. Alguns segmentos até aumentaram as vendas, como o setor do luxo, acessível para os mais privilegiados. Os demais mortais? Bem, esses com certeza nunca sentarão no front row, mas também não perderão nada por não estarem lá. É sério!

A hibridização da comunicação

Muita estratégia de comunicação foi testada, algumas com êxito, outras nem tanto. Os desfiles presenciais, até então entendidos como grandes armas para seduzir e criar necessidades não-necessárias, viraram sofisticadas produções virtuais, algumas de custo altíssimo, inclusive. É, tecnologia custa caro, mas o show não parou, o apetite por novidades continuou, ainda que muita gente tenha repensado seus hábitos, num primeiro momento, passando a olhar de maneira diferente para sua casa, seu guarda-roupa e para si mesmo, para os outros e para o mundo. Mas esse momento parece ter ficado para trás...

Os movimentos sociais

Tivemos importantes movimentos em prol de justiça social, de responsabilidade climática e ambiental e de democracia. Especificamente na moda, questionou-se o consumo, a produção, o timing de lançamento, o valor das roupas e do trabalho nelas empregado. Houve quem apostou em um novo futuro para a moda, com mais consciência e sensibilidade, um olhar para o próximo, mesmo que ele esteja do outro lado do mundo, sentado numa máquina de costura em algum pais asiático ou africano qualquer, invisível para quem está do lado de cá, achando que as roupas surgem misteriosamente nos cabides das lojas, sem percorrer nenhum caminho até ali.

Apesar dos discursos engajados dos últimos tempos, a impressão dessas semanas de moda (e eu até assisti pelas redes alguns desfiles de Paris, poucos) que ficou é de extremo apego ao passado: das celebridades ostentando privilégios na primeira fila, montadas da cabeça aos pés, aos estereótipos de beleza ultrapassados até uma ideia de luxo em dessintonia com as demandas atuais. É tudo muito complexo e confesso que me sinto ambivalente até para escrever a coluna.

Tudo que vai, volta!

Sim, os desfiles voltaram ao modo presencial, e com força total. Temos visto as marcas se movimentando em torno de um resgate de si próprias, de como eram antes do nosso mundo virar de cabeça para baixo. Para além das passarelas, o mundo da moda como um todo sentiu um forte impacto devido à pandemia.

Neste momento de retomada, é inegável que os desfiles seguem sendo um potente recurso promocional e de visibilidade para as marcas porque, sendo fotografados e filmados e tendo as imagens circulando pelo mundo, o nome de uma marca ou designer desconhecido para o público atravessa qualquer barreira geográfica na velocidade da luz. A imagem de moda certa pode não ter nada a ver com as melhores roupas... ela pode ser derivada da performance, da locação e até mesmo da plateia.

Não se iludam, é um mundo à parte, muitas vezes criado e fantasiado, quase um universo paralelo se olharmos para a bolha que consegue fazer parte dessa engrenagem. A maioria fica de fora, apenas assistindo ou sonhando. Nem sempre é sonho, há muito trabalho envolvido, mas também exploração, ainda que gere o sustento de milhões de pessoas que estão envolvidas em toda a cadeia. Neste momento, sai na frente quem inova e chama mais a atenção do que o concorrente, seja pela roupa, seja por sua ausência.

Moda e tecnologia: o futuro que já é

Vejam como exemplo a Coperni, que acabou de desfilar em Paris: não tem quem não tenha divulgado ou visto a imagem da modelo Bella Hadid entrando praticamente nua na passarela, ao performar para a marca, quando recebeu um banho de spray diretamente em seu corpo formando um vestido branco. Sim, é a moda encontrando a tecnologia.  O material, já patenteado, é obtido a partir da transformação de latinhas de bebida e dá origem ao que se pode chamar de arte vestível.

Apesar de a performance não ser exatamente inovadora (Alexander McQueen já tinha pintado uma modelo e seu vestido na passarela), vai ficar para a história. Você já sabia muitas coisas sobre a Coperni antes disso? Eu aposto que não, mas da noite para o dia, todo mundo começou a falar na marca e no tal vestido feito de spray, cujo experimento data de 2013, ora vejam! O nome dessa fibra líquida é Fabrican, que, unida a polímeros, biopolímeros e alguns solventes verdes, evaporam quando o spray atinge uma superfície — no caso, o corpo de Bella Hadid. Ok, teve gente que só prestou atenção no corpo, mas a empresa francesa certamente cravou sua marca após essa performance.

Quem lembrou da Sociedade do Espetáculo? Bingo! São sim as boas e velhas fórmulas que a indústria da moda encontra para nos alcançar, em novas roupagens, melhor ainda em 3D. Mas não venham se “metaversear” por aqui que esse tema ficará para outra coluna.

Até lá!

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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