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Madeleine Muller

Por que compramos o que compramos?

Ainda estamos vivendo uma certa euforia pelo efeito demanda reprimida pós-confinamento?

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Estou sempre atenta às pesquisas do Google, especialmente as que se referem à jornada de compra do consumidor e os motivos de consumo da atualidade. Analiso e as confronto com os autores que pesquiso para tentar entender o contexto e os comportamentos. Ainda estamos vivendo uma certa euforia pelo efeito demanda reprimida pós-confinamento? Ou seria necessidade? Desejo? Vazio existencial?

São muitos gatilhos emocionais acionados quando decidimos fazer um pix ou puxar um cartão da bolsa, inclusive uma sombra de culpa. Quem nunca saiu determinada a comprar um par de sapatos e voltou para casa com perfume, maquiagem, um vestido e, claro, os sapatos? Ou mesmo sem eles e com todo o resto? E entrou escondida em casa com as sacolas, claro, típico... Mas se disse que precisava de mais um vestido, mentiu.

Tenhamos isso claro: precisar, não precisa, a verdade é que a lógica do consumo é complexa, muito complexa, tem a ver com os neurônios-espelho, que subjugam o pensamento racional e nos fazem comprar não apenas o vestido, mas a ideia de elegância e sofisticação que ele representa.

Não compramos o J´adore da Dior, compramos a ideia de ser Charlize Theron andando descalça num palácio com o vestido de tule transparente numa nuvem dourada sussurrando J´adore.... E quando passamos o perfume e fechamos os olhos, somos Charlize, atingimos o patamar, esse lugar mágico para onde a indústria da moda e a beleza nos transportam.

Queremos estar lá e fazer parte. Sim, quem pensou em Maslow, já entendeu o mecanismo. Na moda, isso funciona muito bem, a necessidade de pertença encontra eco nos neurônios-espelho de Martin Lindstrom, em sua obra “ A lógica do consumo”.

As pessoas tomam decisões de uma maneira confusa, e essa confusão está ficando cada vez maior. Ainda assim, sabemos por exemplo, que o que acontece entre um desses possíveis gatilhos de compra e a tomada de decisão não é algo linear. Existe uma rede complexa de pontos de contato que variam de pessoa para pessoa.

No entanto, o que não parece claro é como os compradores processam todas as informações e as opções que aparecem ao longo do caminho. E aí há algo fundamental que tentamos compreender: como, no fim das contas, esse processo influencia o que as pessoas decidem comprar?

A internet já deixou de ser uma ferramenta para comparar preços: agora se compara qualquer coisa. Isso ficou evidente ao longo dos anos, com as mudanças do comportamento de compra nas buscas do próprio Google.

A questão é que na confusão que vemos no “meio do caminho” entre o gatilho e a compra propriamente dita, fica esse lugar no qual os consumidores são conquistados ou perdidos, dependendo do quanto as marcas se esforçam ou não para entender sua jornada e se fazerem presentes, reais, acolhedoras. E estou falando de qualquer área, não apenas da moda. Pense em alimentação, decoração, eletrodomésticos, artigos de beleza, serviços, qualquer coisa.

É justamente nesse meio confuso que as pessoas procuram informações sobre produtos e marcas de uma categoria, e depois pesam todas as opções. Isso equivale a duas formas de pensar operando: a exploração, que é uma atividade expansiva, e a avaliação, uma atividade redutiva. Qualquer coisa que se estiver fazendo no mundo online — em ferramentas de busca, nas redes sociais, em agregadores e em sites de avaliação — pode ser classificada dentro desses dois modos mentais.

[Uma pesquisa do Google mostra como as decisões de compra são mais complexas do que você imagina]

As pessoas circulam entre os modos gêmeos de exploração e avaliação, repetindo esse ciclo tantas vezes quantas forem necessárias para tomar uma decisão de compra.

Vieses cognitivos que influenciam a decisão de compra

Enquanto as pessoas fazem suas explorações e avaliações, os vieses cognitivos moldam o seu comportamento de compra e influenciam a escolha de um produto em detrimento de outro. Embora existam centenas desses vieses, a pesquisa do Google, cujo link disponibilizo no final, aponta seis:

      1-    Análises heurísticas: Descrições curtas de especificações-chave dos produtos podem simplificar as decisões de compra.

      2-    O poder do agora: Quanto mais tempo a pessoa espera por um produto, mais fraca se torna a proposta.

     3-     Confirmação social: Recomendações e comentários de outros podem ser bastante persuasivos.

    4-     Viés de escassez: Quanto mais se reduz o estoque ou a disponibilidade de um produto, mais desejável ele se torna.

    5-     Viés de autoridade: Ser convencido por um especialista ou uma fonte confiável.

    6-     O poder do gratuito: Um presente gratuito junto de uma compra, mesmo que sem qualquer relação, pode ser um grande motivador.

Tais vieses formam a base desse experimento, mostrando que, quando aplicados de maneira inteligente e responsável, os princípios da ciência comportamental — e as necessidades comportamentais e informacionais com que eles se alinham — são ferramentas poderosas para ganhar e manter a preferência dos consumidores no tal meio confuso.

É importante lembrar que, para os consumidores, esse meio do caminho apenas se parece com um processo normal de compra. O objetivo aqui não é forçar as pessoas a sair do ciclo apresentado no modelo, e sim dar a elas as informações e a confiança necessárias para tomarem uma decisão.

Sai na frente, em termos de negócio, quem consegue ter uma excelente comunicação (e um marketing bem alinhado) para ser percebido e lembrado, como referência naquela categoria, a tal presença de marca, para que o produto ou serviço esteja estrategicamente na mente dos consumidores quando eles estiverem explorando. Para quem consome em excesso, cuidado! A chamada terapia do consumo, onde se compra por prazer, pode virar um vício (para quem tem o privilégio de poder comprar, obviamente), inclusive tem nome: oniomania.                                                                                                                                           

Mas será que isso nos torna mais felizes e completos? Será que não estamos incorrendo no consumo do vazio e nos desconectando do que realmente é essencial e importante nas nossas vidas? Eu já trouxe o tema do consumo consciente em várias colunas aqui no Bella+ e confesso a vocês: estou longe de ter as respostas, mas sigo me questionando! Baixe a pesquisa completa.

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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