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Madeleine Muller

O fast fashion vai sair de moda?

De um lado, a necessidade de ser mais sustentável, de outro, o apelo pelo look da temporada. Quem são os responsáveis por encontrar o meio do caminho no mundo da moda?

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Já falei muito sobre os problemas das Fast Fashion aqui na coluna, não no sentido de demonizar esse modelo de negócios (O Diabo vestia Prada e não Zara, né?), mas para entender essa dicotomia: ao mesmo tempo em que vende e gera empregos, também causa grandes impactos ambientais e sociais (apesar dos movimentos que valorizam uma moda local, autoral e justa para os trabalhadores e o meio ambiente).

Aqui procuramos chegar a um equilíbrio, com bom senso, cutucando não só a indústria como também os consumidores. E já aproveito para questionar a real necessidade que temos de comprar mais uma blusinha, mais um tenizinho, ainda que já os tenhamos em quantidade/variedade suficientes para vestir e calçar o resto da vida. Olhe para seu guarda-roupa e me diga se estou errada! Eu também vivo meus dilemas nessa esfera do consumo, me policio o tempo todo pois as tentações são grandes! A todo momento somos bombardeados com ofertas para comprar coisas das quais não precisamos, mas que a mídia e o marketing nos fazem acreditar que sim, é ou não é?

Mas nem todos possuem tal consciência ou privilégio, temos de convir. No quesito econômico, a pessoa vai comprar o que ela puder pagar para se sentir incluída socialmente (não é para isso também que a moda existe? Para nos dar a sensação de pertencimento e distinção?), e a Fast Fashion, o camelô com as falsificações acabam sendo a única opção de ter acesso às marcas de desejo ou ao estilo da vez. Tem o brechó, claro, mas muitas sonham em adquirir algo só seu, escolhido por elas, não o que sobrou ou foi descartado. Isso eu consigo entender, assim como acredito que as classes desfavorecidas deveriam ter o direito de poder comprar uma peça novinha uma vez que outra, ao invés de só receberem doação, escambo ou segunda mão.

É, a menina ali da comunidade deveria poder comprar a tal blusinha da moda, o cropped que fala espanhol, chinês ou sueco, conforme a rede que ela procurar. Também temos as versões nacionais: a Renner, do Rio Grande do Sul, opera no sistema fast fashion mas reviu sua operação e tem a sustentabilidade como um de seus valores desde 2013, ou seja, o tema já faz parte do dia a dia da companhia, independentemente do cenário externo. A empresa vem demonstrando uma atuação ampla e sólida nesta área, que contempla desde o desenvolvimento dos produtos até a relação com os fornecedores, passando pelo desenho das lojas físicas, o uso de energias renováveis de baixo impacto nas operações, até chegar ao pós-consumo.

Sabemos, através de documentários e matérias, a problemática da produção de roupa, que muitas vezes é terceirizada para outras fábricas, sem que a própria marca saiba quem está produzindo suas roupas, e em quais condições. Isso resulta em casos dramáticos como o de cartas ou bilhetes implorando ajuda encontradas escondidas em roupas. Sim, a exploração não vem direto da marca, mas ela será sempre responsabilizada pelos terceiros que contratar ao longo da cadeia de produção, e isso já vimos acontecer em Bangladesh, no triste episódio do Rana Plaza. 

Além da possibilidade real da existência de trabalho escravo na produção de roupa para grandes marcas, há o aspecto de sustentabilidade que não pode ser ignorado. A sueca H&M, por exemplo, produz um relatório de sustentabilidade anualmente, demonstrando medidas tomadas para promover um processo de produção mais sustentável. A ela seguiram a holandesa C&A e a espanhola Zara, todas com uma política de receber doações de roupa velha, de qualquer marca, para serem recicladas ou doadas. Enquanto os relatórios deixam evidente que as marcas estão buscando reduzir seus impactos, não há como negar o quão difícil se torna alcançar tais metas, uma vez que o objetivo e o modelo de fast fashion estão essencialmente em desacordo. Por natureza, a tal moda rápida é um negócio de volume e é exatamente isso o que pesa em nosso planeta. Já temos roupas demais, descarte em excesso, cemitérios têxteis a céu aberto.

As marcas Fast Fashion são as únicas culpadas?

Mas volto a questionar: é justo que as marcas Fast Fashion levem toda a culpa? Sim, muitas vezes elas provam a ideia de que roupa e moda são descartáveis; com a globalização tudo parece mais acessível e a demanda, mais imediata. Temos que nos perguntar: quantas outras marcas possuem práticas nada sustentáveis, só que cobram mais pelo produto final? Essas não dão acesso a todos, são elitistas e nada transparentes, ou seja, não são só as Fast Fashion que poluem ou que incorrem nessas práticas, mas certamente o tamanho e volume de vendas (e descarte) dessas causa um impacto de proporções muito maiores.

Apesar de muitos consumidores, principalmente da Geração Z e Millennials, conhecerem os malefícios para o meio ambiente causados pelas fast fashion, a sua conveniência e, sobretudo, os seus preços fazem com que seja difícil de abandoná-las. Fiquei assustada ao ler um recente estudo da Thread Up, a saber: a maior parte dos consumidores não planeja reduzir o consumo de fast fashion, mesmo que alguns se sintam culpados com isso. Atualmente, sabemos pela mídia que as compras conscientes estão em voga e há muita gente apontando o fim do sistema fast fashion, na medida em que uma nova geração de consumidores começa a deixar de lado o desperdício, abraçando o vestuário de segunda mão como um guarda-roupa mais amigo do planeta.

Contudo, de acordo com o estudo, isso não é bem verdade. O fast fashion ainda é difícil de abandonar. No último relatório anual, a empresa concluiu que apenas 17% dos consumidores planejam gastar menos dinheiro com fast fashion nos próximos cinco anos, apesar de 50% acreditar que é prejudicial para o ambiente e 43% admitir que se “sentem culpados” por comprar em lojas como as da Zara, H&M, e Shein, o novo fenômeno das compras on line. A dicotomia deve-se às dificuldades da economia e elevadas taxas de inflação. O vestuário está entre as cinco principais categorias onde os consumidores sentiram aumentos de preços recentes, juntamente com a alimentação e os combustíveis, e face a essa conjuntura, os preços do fast fashion são atrativos e difíceis de competir ou ignorar.

De acordo com o estudo, 72% afirmam comprar fast fashion pelo custo-benefício e outros 20% se sentem pressionados a adquirir os modelos mais recentes devido às redes sociais. Há ainda a questão do tempo que se perde nos brechós para encontrar o modelo certo, no tamanho certo e com um preço convidativo. 53% dos consumidores escolhem o fast fashion porque é mais rápido. Há ainda a parte emocional e a satisfação de percorrer prateleiras virtuais com milhares de produtos e encher um carrinho de compras com um único toque, que serão entregues em casa.  Ainda que 42% considerem o fast fashion um vício difícil de largar, o vintage está a prosperar, tanto como forma de poupar dinheiro na aquisição de vestuário, como enquanto cultura própria.

A mesma ThredUp pondera que comprar em brechós nunca foi tão popular entre a Geração Z e os Millennials: 59% dos que compraram este tipo de artigo pela primeira vez em 2021 explicaram que isso os diferenciava dos demais e 72% no geral revelaram orgulho em contar às pessoas que a roupa que estão a vestir é de segunda mão.

Ou seja, há luz no fim do túnel.

Fonte consultada: www.thredup.com

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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