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Madeleine Muller

Pra inglês ver!

Madeleine Muller analisa a polêmica capa da Vogue britânica

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Esta é minha primeira coluna de 2022, tinha iniciado a comentar sobre a diversidade nos castings dos desfiles de Paris que estão acontecendo agora (em algumas marcas, claro, não em todas), e eis que vi um certo alvoroço nas redes sociais, modelos amigas me trazendo suas opiniões sobre uma imagem que eu ainda não tinha visto (confira abaixo), o que me fez mudar de ideia e refletir sobre essas impressões. O assunto diversidade está relacionado, mas antes eu preciso me convencer de que as marcas estão realmente fazendo sua parte em prol de mais corpos, idades e cores diversas nas passarelas, num mundo mais real onde pessoas reais, normais e fora do antigo padrão (ele ainda segue firme, não se iludam) também se sintam incluídas e contempladas pela moda...Veremos! Mas gostei do que vi no desfile da Valentino, além das idades e corpos variados, as modelos também traziam cabelos bem ecléticos, nada de cabelo-padrão, incluindo trancinhas, franjas, soltos, presos, grisalhos, naturais, enfim, uma celebração da individualidade.

Sobre o tema da presente coluna, não estou no lugar de fala (mas estive e estou muitas vezes no de escuta), sua importância e necessidade de reflexão/discussão continua inegável.  O bafafá da vez envolve uma revista que nem chegou às bancas, mas já causou indignação e comentários acirrados: a capa de fevereiro da Vogue britânica fotografada por um brasileiro, Rafael Pavarotti, cujo intuito era o de celebrar o sucesso das top models africanas, mas que acabou levantando discussões acerca da manipulação na cor da pele das modelos, algumas muito mais escuras do que o tom natural, ainda mais quando vestidas de preto, decisões da equipe de estilo ou do editor, whatever...haviam outras cores também.

Essa é uma das duas fotos de capa lançadas on line para a edição de fevereiro (há uma segunda imagem que mostra uma das estrelas do grupo, a supermodelo Adut Akech, posando sozinha) e, de acordo com o editor-chefe da Vogue da Grã Bretanha, o ganense-britânico Edward Enninful, as imagens visam destacar a ascensão dos modelos africanos na indústria da moda. Ponto final.

Tudo isso seria ok, não fossem alguns detalhes na produção e nas decisões tomadas pela equipe de moda, que passam despercebidos para alguns, mas não para jornalistas, ativistas e as minhas amigas negras, claro, que logo dispararam sua inconformidade no meu whatsapp, para além das peles escurecidas mais do que o natural:

“O que fizeram no cabelo delas? Porque estão usando perucas ou alisamentos?” “Que roupas são essas?” Realmente, o conceito de beleza trouxe um volume extra aos cabelos meticulosamente modelados, mas nada da estética afro, suas tranças e seus crespos naturais. Mas não dá para estereotipar tudo, né, gente, nem vou questionar porque não sei o conceito dessa produção.  Que pode, claro, ter a ver com o estilo do fotógrafo, um  afro-brasileiro que já tem essa pegada no sentido de escurecer imagens e tal, mas a questão é que não se consegue agradar a gregos e troianos, teve quem elogiou e teve quem reclamou, nesse segundo grupo alguns acharam que o fundo não realçava a beleza das modelos, que as roupas pretas não funcionaram, que tudo era sombrio, triste, não parecendo uma celebração da beleza negra e sim um funeral (opiniões variadas, motivos idem) some-se a isso os cabelos alisados, sendo perucas ou não, e a gota d´água da pele manipulada. Antes que se insinue um ”olhar de branco”, vale informar que a equipe era praticamente toda composta por profissionais negros então não, não dá para sair criticando sem ouvir todos os lados, não é mesmo?

Procurados para rebater as críticas, tanto o fotógrafo quanto o editor não se manifestaram, Pavarotti não respondeu aos pedidos de comentários, limitando-se a postar as imagens em seu instagram, sempre muito festejado pelo povo aqui, eu própria admiro seu trabalho. Já Enninful, que fez o styling, não quis comentar e a Vogue britânica não se posicionou publicamente sobre o assunto até este momento, contudo, um vídeo dos bastidores do ensaio fotográfico foi lançado junto com as imagens da capa. Filmado com mais luz natural, antes de as mulheres estarem totalmente estilizadas, o clipe revela mais individualidade e uma variedade de tons de pele, em um dramático contraste com o resultado final.

A jornalista Stephanie Busari da CNN escreveu que uma capa é o maior prêmio que uma revista pode dar a um assunto e, historicamente, as mulheres negras raramente receberam essa honra. Já mudou muito nos últimos 2 anos, principalmente após o #blacklives matter e os movimentos em prol de mais inclusão e diversidade na moda. A ex-editora-chefe da Vogue britânica, Alexandra Shulman, contou em uma entrevista de 2017 para o jornal “The Guardian” que mulheres negras desconhecidas na capa venderam menos cópias das revistas. Então, quando as mulheres negras aparecem na capa de revistas globais como a Vogue, essas imagens circulam amplamente; fazendo com que elas se sintam vistas, celebradas e reconhecidas.

É por isso que para muitas, particularmente as de pele escura, essa capa da Vogue parece pessoal. Busari fez uma enquete no twitter para ver o que as pessoas tinham achado e ficou surpresa ao ver que centenas responderam dizendo que acharam as imagens uma representação pobre de mulheres negras, fetichizadas, com clareamento reverso e narrativa falsa. Muitos defenderam a estética apresentada de luz e tonalidades mas consideraram que as publicações e as marcas estão constantemente comunicando que o tom mais escuro da pele representa a verdadeira essência da negritude ou mesmo da africanidade- e isso é claramente uma marca do olhar branco, segundo estes. Um artista negro manifestou-se dizendo “Nós não queremos que nos façam o negro que vocês querem. Nós nos queremos como somos”.

Em meio a tudo isso, olho para Adut Akesh e sorrio: ver uma das minhas modelos favoritas na capa da Vogue britânica, com toda essa elegância e altivez, me faz pensar que esse tema ainda tem muito a evoluir e a ser discutido.  E não, não é só para inglês ver, é para todos nós!

 

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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