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Madeleine Muller

Moda virtual: será que ela é mais sustentável?

Acessórios, roupas e tênis para usar apenas de forma online não é ficção científica. Mas são mais sustentáveis?

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Antes de se falar no metaverso, já havia o boom das skins no ano passado (meu filho foi meu alerta, economizando sua mesada para comprar um acessório grifado no Minecraft, como legítimo Zennial), e eu sabia que era um caminho sem volta e muito rentável. Veja o exemplo do "League of legends"(LoL): embora o jogo seja gratuito, as vendas dentro dele foram responsáveis por um faturamento de US$ 1,7 bilhão só em 2020!

Produtos digitais nas marcas de moda já estavam acontecendo e demandando novos posicionamentos, uma inovação impulsionada pelo milionário mercado dos games. Quem não acompanha essas novidades com frequência, pode ficar perplexo com a rapidez com que a tecnologia vem transformando o consumo entre os jovens, inclusive no vestuário. Roupinhas virtuais apenas para vestir personagens? Não, para vestir a si próprio, no caso, via avatar, cumprindo os papeis de expressão, integração e comunicação, os velhos motivos pelos quais as pessoas consomem moda.

As marcas de moda, atentas às novas formas de consumo e identidade, viram a oportunidade e já estão lá, onipresentes em qualquer universo e em qualquer versão, renovando seu público e mesmo seus tradicionais produtos. Isso não é novidade: em 2019, o estúdio holandês de moda digital The Fabricant vendeu um vestido virtual por US$ 9.500. O vestido ‘Iridescence’ representa um momento marcante na alta costura digital, como uma transação de blockchain pioneira, a peça única é uma obra de arte digital rastreável, colecionável, porém pouco acessível. Por outro lado, a roupa virtual pode ser uma forma de se relacionar com marcas que, de alguma forma, estariam inacessíveis, por barreiras geográficas ou econômicas. Ao mesmo tempo, nos fazem refletir em que medida e se realmente precisamos de marcas para construir nossas identidades.

Quando a Gucci anunciou no início deste ano o lançamento de um tênis virtual por US$ 12 (o Virtual 25), fruto de uma parceria com a Wanna, empresa de moda especializada em marketing de realidade aumentada, eu, criada analogicamente e pouco afeita ao mundo game, fiquei com um pé atrás, achando que seria apenas mais uma forma de promoção, dentre tantas, mas foi um sucesso tão grande entre millenials e geração Z, que passei a pesquisar mais sobre o assunto. A razão é óbvia: as marcas, se quiserem ser vistas e ter alguma relevância entre esse público, precisam estar onde eles estão, e entregar a experiência que eles desejam. Simples assim. Um tênis que não existe para causar nas redes sociais? Sim, neste admirável mundo novo, para muitos, a vida, os olhares e a aprovação de seus pares só acontece ali. Mas dá para “materializar” alguns modelos, on demand, para os que não se satisfazem apenas com imagem? Dá! E cá para nós, essa não é uma espertíssima estratégia de marketing para vender mais? Pense nisso: pode-se digitalizar o portfólio de calçados de uma marca (do mundo real para o virtual) para que clientes possam “testar” os produtos antes da compra. Um argumento de venda a mais, sem dúvida, e sem precisar se deslocar até uma loja, na maior comodidade.

Diferente dos calçados tradicionais — que ao comprar pela internet — são entregues em sua residência, o produto criado para ser 100% virtual é usado apenas no universo digital. Nem todos podem ganhar versão materializada, e dependendo do modelo ou da grife, os valores são altíssimos. Tem público para isso? Óbvio que tem, ou as tradicionais marcas de luxo não estariam por lá. Pode parecer uma prática estranha, mas a modalidade é uma tendência que ganhou destaque com o surgimento dos NFTs (token não fungível). Mas vale ressaltar: diferente do "token não fungível", eles não são exclusivos; várias pessoas podem comprá-lo. O da Gucci, — desenhado por Alessandro Michele, seu diretor criativo e amante da tecnologia, pode ser comprado por meio do aplicativo da marca e pago através da Apple Store (iOS) ou pelo Google Play Store (Android). O uso do tênis virtual é similar aos filtros usados em redes sociais: basta mirar a câmera para os pés e pronto, você estará usando seu novo calçado. Além disso, pode ser ostentado também no Roblox, Snapchat, VRChat e, claro, como filtro no Instagram, onde toda a galera está (por enquanto, metaverso taí...)

Talvez você esteja se perguntando se são mais sustentáveis por não demandarem recursos físicos, e, por esse lado, diríamos que sim. Mas se virar apenas estratégia para vender mais produtos físicos usando o apelo virtual, aí já é preciso pensar, achar o ponto de equilíbrio e não incentivar o consumo pelo consumo, que acaba virando um novo tipo de consumismo, na dimensão meta. A transformação digital e a adoção de novas tecnologias 3D criam sim um fluxo de trabalho mais eficiente, preciso e sustentável, eliminando a roupa física nas diversas etapas ao longo da cadeia de produção, como a pilotagem para aprovação, produção de amostras para showroons e parceiros, servindo também para campanhas e desfiles. Considerando que para produzir qualquer peça de roupa no mundo físico há um consumo de matérias primas e recursos naturais, podemos dizer que as peças virtuais são mais sustentáveis, ainda que elas demandem o uso de energia. Sejam elas feitas em realidade aumentada ou em 3D, para clientes finais ou para a indústria, são uma alternativa a considerar, ainda que nem todos queiram se fazer representar por um avatar, e qual a necessidade de vesti-lo com uma skin Louis Vuitton ou um tênis da Gucci?

Na vida real, ainda precisamos vestir algo físico, ao menos por enquanto. J  É válido lembrar que a relação entre moda e tecnologia potencializa novas formas de produzir e consumir, mas o ser humano está no centro de tudo, pois é o comportamento do consumidor que determina o futuro da moda. Atingir a sustentabilidade a partir de uma nova visão não é fácil, mas tecnologia, inovação, compreensão dos novos cenários e comunicação eficiente se tornam fundamentais num futuro que já é.

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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