capa
Madeleine Muller

E a pandemia têxtil? (refletindo sobre excesso e escassez)

Madeleine Muller convida a pensar sobre as montanhas de lixo têxtil

publicidade

Quem acompanhou as notícias recentes sobre as montanhas de lixo têxtil no Chile, no deserto do Atacama, talvez pense que esse problema ambiental (e social) é algo isolado ou de ocorrência esporádica. Não costumamos ver esses lixões por onde passamos, não é mesmo? Os lixões clandestinos realmente não ficam muito visíveis nos centros urbanos, é preciso sair para a periferia para encontrá-los, e eles causam impactos terríveis, que afetam obviamente os mais pobres, em primeiro lugar.

Há quem acredite que isso não acontece no nosso país, e essa falsa percepção se deve ao fato da maioria das pessoas descartar o que não quer mais, sendo lixo ou não (resíduo e rejeito não são a mesma coisa!), sem se preocupar com o destino final. Porque não basta colocar na lixeira e achar que o problema está resolvido, que o lixo vai desaparecer e fim de papo - principalmente quando se joga fora (onde é fora???), roupas, sobras ou tecidos que não se quer mais. Isso na perspectiva do consumidor, mas temos também a da indústria de tecidos e confecções.

Em meio à geração substancial de resíduos sólidos, móveis e eletroeletrônicos, a produção crescente de resíduos têxteis não parece ter um controle efetivo, seja através da lacuna da legislação, seja pela falta de fiscalização ou interesse do governo. O que se viu no Chile é apenas a ponta do iceberg de uma lógica baseada numa economia linear que só extrai e não repõe, no excesso de consumo e na cultura do desperdício. O fato é que, devido às sobras derivadas de produções de empresas têxteis, como roupas velhas ou que não servem mais, bem como lençóis, capas para almofadas, dentre outros produtos de uso domiciliar e/ou pessoal, surge um novo problema. E dos grandes!

Afinal, o que fazer com o lixo têxtil?

No Brasil, de acordo com a ABIT, estima-se que são produzidas 170 mil toneladas de resíduos têxteis anualmente.

No entanto, a parcela descartada de forma adequada é menor do que a metade de resíduos produzidos, sendo de 40%. Assim, os outros 60% dos tecidos que poderiam, por exemplo, ter sua matéria-prima reutilizada acabam em aterros sanitários, indústrias de cimento ou sendo utilizados em fundições para queima. Ou mesmo vão para os lixões a céu aberto, e aí já é tarde demais, como aconteceu no Chile, contaminando solo e ar, ao invés de virar insumo e retornar à cadeia produtiva, caso o descarte tivesse sido feito de forma adequada, ou se houvesse uma gestão eficiente para o fim da vida útil.

Sob o mesmo ponto de vista, com relação à indústria têxtil em 2020, industriais esperavam o aumento da demanda, das exportações, da compra de matérias-primas e do número de empregados na transição pós-pandemia (aliás, em que estágio estamos?), segundo a Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção). Ou seja, além do crescimento denso nos últimos anos, há uma previsão de que as performances das empresas do ramo se recuperem e continuem no mesmo ritmo. Mas ainda tendo de lidar com os recorrentes problemas nas etapas de pré-consumo, que necessitam de mudanças e melhorias contínuas para evitar as sobras (lixo é um erro de design!).

Para quem não sabe, é nessa fase inicial da fabricação, após o corte, a produção ou a finalização dos produtos, que ocorrem muitos erros e desperdícios, incluindo os retalhos que sobram das peças. E para onde vai isso? Grande parte desses resíduos acabam sendo descartados em lixo comum. Os tecidos, linhas e malhas que ficam para o descarte têm seus riscos, inclusive, podendo entupir bueiros, contaminar o solo, ou poluir o ar quando queimados. Em suma, o descarte de resíduos têxteis torna-se uma tarefa importante e requer uma estratégia direcionada a um novo modus operandi. Além disso, manter hábitos e promover ações sustentáveis traz uma imagem positiva para as organizações e seus diversos públicos e stakeholders, mas precisa acontecer de fato, não ficar só no discurso das boas práticas.

Descarte tem de ser dentro da lei!

Se você é o consumidor final, pense bem nas suas escolhas, consuma menos e faça suas coisas durarem. Se você produz roupas ou têxteis, reflita sobre seus processos, gargalos de produção e para onde vão as sobras. Antes de mais nada, vale ressaltar que o incorreto descarte de resíduos têxteis é considerado crime ambiental, de acordo com a Lei nº 12.305/2010, que trouxe penalizações para fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto. Mais especificamente, os danos que o descarte de tecidos através do lixo comum pode acarretar, quais sejam: mudanças climáticas, poluição química e efeitos prejudiciais à saúde humana (em caso de incineração), devido às tinturas e outros químicos adicionados aos tecidos.

De fato, não fazer o descarte de tecidos de forma correta pode acarretar em prejuízos para todos ambiental, social e economicamente falando, atentando ainda contra o desenvolvimento sustentável e o futuro das próximas gerações. Na indústria têxtil e de confecção, tanto quem produz quanto quem consome precisa entender que todos somos parte do problema, mas também podemos ser parte da solução quando assumirmos que somos responsáveis pela preservação dos recursos ou também seremos afetados pela sua escassez, já que eles não são infinitos.

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


compartilhe