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Madeleine Muller

Sem cheiro de naftalina

Cresce a busca por consumo sustentável de roupa e economia circular

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Você costuma comprar roupas ou acessórios de segunda mão? Já entrou num second hand on line? Como foi sua experiência? Essas são perguntas que eu faço com frequência a amigos e colegas, na eterna busca de dados primários para as minhas pesquisas de comportamento de consumo. 

Frequento brechós e bazares há muito tempo, antes do brechó virar opção de estilo e não de necessidade, como muita gente julgava. Quantas vezes não ouvi um “mas estás passando por problemas financeiros?”, ao me verem entrar num desses lugares, incluindo os de aluguel, ou por atentar contra o dress code com alguma roupa sem assinatura. Nunca me preocupei com isso, gostava de coisas diferentes. Causava espanto em alguns ambientes não estar usando a “última moda” ou a marca queridinha das celebridades, especialmente as que não falam português. Talvez por ser usado, existia um tabu sobre roupa de segunda mão, mas garanto a vocês: lavou, tá novo! 

E se o brechó tiver uma boa curadoria, suas araras estarão exalando perfume francês e as roupas, totalmente higienizadas e separadas por cores ou estilo, inclusive com as tão cobiçadas marcas de fora. Depende muito de onde você vai comprar. E também do meio em que vive. Validação social é importante? Depende, né? Lembro que as pessoas me olhavam como se eu fosse um ET quando anunciava que tal peça do meu look era usada, ou pior: o look inteiro. 

Sim, já melhorou mas ainda existe preconceito, e é pena, pois esse tipo de ranço limita as escolhas e quem perde é o estilo pessoal. Fica todo mundo padronizado e homogeneizado nas mesmas paletas de cores da Pantone ou nas micro trends da WGSN. Não sou contra tendências, sou contra padronização estética e cultural. 

Certa vez, antes da virada do milênio, fui a um baile num clube elegante de Porto Alegre e causei espanto ao assumir meu vestido de gala adquirido num brechó, sem marca famosa, usado por outra mulher antes de mim, mas impecável, a ponto de chamar a atenção. Afinal, é a mulher que faz o vestido ou o vestido faz a mulher? Não dá para generalizar que a economia circular na moda já esteja acontecendo em larga escala na produção de vestuário, mas os números surpreendem. 

Segundo a Revista Elle, nos últimos três anos, o mercado de resale cresceu 21 vezes mais rápido que o varejo normal e não faltam exemplos de investidas de marcas de luxo nele. Há relatos de que as gerações mais jovens abraçaram a revenda de luxo como nunca antes, sendo que só em 2020 houve um crescimento de 61% de compradores da geração Z investindo nisso. Celebridades, que estão aparecendo com looks vintage em tapetes vermelhos, dão ainda mais força para o movimento. O The RealReal nos EUA nunca faturou tanto...

Em terras brazucas, qual o cenário?

O Brasil nunca teve uma cultura forte de brechó e revenda, se comparado a países como EUA e Inglaterra. Contudo, esse cenário vem mudando com o surgimento de empresas com curadorias afiadas e serviço de loja diferenciado. Um relatório do Sebrae, publicado em 2019, aponta que, de 2010 a 2015, o número de brechós no país cresceu 210%.

Discurso ou prática?

Muitos associam o crescimento ao aumento de uma consciência mais sustentável, mas a realidade é que o TikTok e outras redes, muitas vezes, estimulam o consumo desenfreado e a saturação de tendências. O resultado: pessoas comprando sempre mais. Ainda não há dados para dizer que as novas gerações estão consumindo de forma mais consciente, pois a cultura consumista aposta mais nas tendências, restando nichos pequenos com essa mentalidade responsável, as chamadas bolhas de consumo consciente.

De uma hora para outra parece que todas as fast fashions querem ser mais “sustentáveis”, estão usando algum percentual de fios reciclados ou estimulando a logística reversa, algumas oferecem coletores para os clientes retornarem peças que não querem mais. Mas o modelo de negócios de uma fast fashion, ainda que tenha esse tipo de ação mitigatória, não pode ser considerado sustentável, não é mesmo? Torrar o cartão de crédito nos brechós também não resolve, pois é o excesso de consumo que deve ser combatido, ou seja, é preciso repensar não apenas o que se consome, mas como e porquê.

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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