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Madeleine Muller

Quando o lixo vira luxo...e o meio ambiente agradece

Criatividade e sustentabilidade garantem reutilização criativa de produtos

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Fala-se muito em upcycling* e reciclagem de materiais na indústria da moda, mas muitas vezes percebemos que, por desconhecimento de como separar os resíduos sólidos, muitos materiais são descartados de forma incorreta (sabe quando. descartam restos de tecido no lixo comum e tudo se mistura? pois é…) contaminando-se em contato com outros, como por exemplo as máscaras descartáveis, mais os orgânicos, e vai tudo parar num lixão, causando vários problemas ambientais. 

São recursos desperdiçados, pois muitos ainda podem ser aproveitados pelos designers que projetam dentro da economia circular. E não estamos só falando em resíduos têxteis, vamos pensar além das roupas. Uma das formas de descobrir novas possibilidades nas criações de moda é visitar uma unidade de triagem e entender como esse trabalho funciona. Poucas vezes vi estudantes de moda ou designers nesses lugares, e é uma pena. Os excessos no consumo também deveriam ser repensados, pois não há reciclagem que dê conta de tanto lixo.

Reciclagem

Uma das iniciativas bacanas que conheci foi o movimento ReciclaPOA*, que é a união entre diversas entidades empresariais e acadêmicas com o objetivo principal de ampliar a separação e o encaminhamento correto de resíduos em Porto Alegre. Além de aumentar o volume de resíduos recicláveis destinados às Unidades de Triagem formais, o movimento visa qualificar as informações sobre a gestão de resíduos da cidade, sensibilizar os cidadãos e ampliar a oferta de emprego e renda para as cooperativas de catadores. 

O ReciclaPOA também incentiva a compostagem caseira de orgânicos e o reaproveitamento de materiais, a fim de reduzir o volume de resíduos destinados ao aterro sanitário. A estratégia é também capacitar agentes para multiplicar as informações sobre o correto encaminhamento de resíduos. Com o tempo, espera-se que os materiais reunidos e separados corretamente nessas unidades possam vir a ser melhor aproveitados em novos ciclos produtivos, vencendo o paradigma do lixo, de que tudo que foi descartado não presta mais. E acabar com mentalidade de jogar fora, indiscriminadamente. Onde é fora? Não existe fora, pessoal! Tudo que descartamos continua dentro do planeta...

É comum aparecerem sobras de segmentos variados, ainda em bom estado, nesses centros de reciclagem, que talvez não sirvam mais para seu propósito original, mas que podem ser ressignificados para virar outra coisa, através de um bom design. Sem novos recursos, transforma-se o que já existe em novos produtos, ou seja, o novo a partir do velho. Que tal mangueiras contra incêndio, forro de seda de paraquedas e câmaras de ar de pneus sendo transformados em produtos sofisticados como bolsas, mochilas, cintos, sapatos e carteiras? E sem ter cara de ter sido feito de “sobras”!

Citando uma marca de fora, a britânica Elvis & Kresse, fundada por Kresse Wesling e James Henrit em 2005, por ocasião de uma visita à Brigada de Incêndios de Londres. Surgiu da percepção de que as mangueiras contra incêndio, após 25 anos de serviço, estavam muito danificadas para reparar e iriam parar no aterro sanitário caso não tivessem outro uso, fora de sua função original. A dupla teve a ideia de transformar essas mangueiras, outrora tão úteis salvando vidas, em acessórios sofisticados e com isso impedir que fossem para o lixo. 

O primeiro item de sucesso foi um cinto, depois desenvolveram bolsas. Claro que o material é todo higienizado e preparado corretamente para sua “nova vida”: as mangueiras são limpas da fuligem e graxa antes de se transformarem em bolsas, cintos e carteiras de luxo, ninguém se vê usando algo feito do lixo, é preciso vencer o preconceito: nem todo resíduo é lixo. Resíduo e rejeito não são a mesma coisa! Além das mangueiras contra incêndio, a Elvis & Kresse também reaproveita outros materiais para suas coleções como forro de seda de paraquedas, retalhos de couro, sacos de café, sacos de chá, caixas de sapato e banners de leilão. As bolsas de viagem são o carro-chefe  e demonstram o quanto o design é fundamental na aceitação desses produtos.

 

 

Já a marca gaúcha de upcycling Revoada foi precursora da valorização das câmaras de pneu e o nylon das sombrinhas e guarda-chuvas descartados por aqui, pensados de forma estética e eticamente impecáveis. Usando o poder do design para dar ao lixo um novo sopro de vida, criou produtos de moda como jaquetas, bolsas, mochilas e carteiras a partir de uma gama de materiais recicláveis incluindo pneus e guarda-chuvas quebrados. Reciclando o lixo, a empresa trouxe benefícios para trabalhadores de oficinas de carros, recicladores e cooperativas de costura, comprando seu lixo ou usando-o para criar novos produtos. Atualmente mais voltada para consultorias, apresenta soluções criativas para os produtos que são descartados, e trabalha com seus clientes para encorajá-los a reciclá-los novamente no futuro. O Brasil é o terceiro maior produtor de lixo no mundo: 200 mil toneladas são produzidas diariamente e só 3% disso é reciclado.

 

Roupa de guarda chuva feita na Oficina ministrada pela Revoada

*Para conhecer mais sobre o ReciclaPOA e fazer a sua parte, acesse: http://www.reciclaportoalegre.com.br/

*Upcycling é a reutilização "para cima", ou seja, melhorando e acrescentando valor ao que já existe. Também conhecido como reutilização criativa, é o processo de uso de produtos, resíduos, peças aparentemente inúteis na criação de novos produtos, sem desintegrar a peça, numa função diferente da qual o produto ou partes dele foram inicialmente projetados.​

As marcas apresentadas nesta coluna:

www.elvisandkresse.com

www.revoada.com.br

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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