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Madeleine Muller

Eu crinjo, tu cringes, eles cringem...vamos conjugar a gíria da vez!

(Isso pode te colocar na lista, vai arriscar?)

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Se você tem filhos pré-adolescentes como eu, ou se está nas redes sociais acompanhando os trend topics da semana, certamente leu ou ouviu falar em cringe e na famigerada lista do que pode te fazer corar. O termo vem do verbo inglês to cringe, que significa, basicamente, passar ou fazer passar vergonha. Entendam: não é apenas se sentir envergonhado, é também fazer alguém se encolher de vergonha por algo que foi dito ou feito. Tem listinha circulando dos dois lados, mas é preciso observar tais comportamentos, não raro distantes ou alienados da realidade, como uma forma de escapismo nesses tempos complexos. Assim como o Pillow Challenge causou polêmicas no ano passado, agora temos dancinhas que, em algum momento, também vão cansar e ceder lugar às próximas modinhas ou fenômenos comportamentais. Entretanto, alguns jovens são tão impactados por esses movimentos a ponto de se sentirem expostos ou excluídos ao infringirem algum código de conduta ou aparência estipulada por seus pares. Algo como as expressões pagar mico ou vergonha alheia, lembram? Não se paga mais mico, agora somos sentenciadas pelos filhos adolescentes ao menor deslize: “mãe, isso é muito cringe”! Shame on us, mothers!

De onde vem isso?

Constrangedor? Sim, principalmente quando a ignorância do termo exclui os mais velhos da piada, já que tudo começou há poucas semanas com uma lista de coisas que a geração Z (nascidos a partir de 1995) acha vergonhosa, ou cringe, nas preferências dos seus antecessores millennials. Todas as gerações envelhecem, e uma ocupará o lugar da outra, é só uma questão de tempo. E o bom e velho conflito de gerações já não é não apenas entre pais e filhos, mas entre as diversas faixas etárias compreendidas pelas gerações das letras e seus comportamentos distintos. Porém, tudo é maximizado à potência máxima graças às obsessões das redes sociais, que derrubam algumas tendências em detrimento de outras. E por que, meu Jesus amado? 

Porque é assim que funciona! Você pode até ser isentão ou isentona, mas se tem Instagram, em algum momento já se irritou com a quantidade de imagens de xícaras, bom-dias e cafés da manhã postados diariamente na última década, resultado do excesso de exposição e da repetição de termos banalizados ou clichês que ninguém mais aguenta. Em contrapartida, também pode não achar a menor graça nas dancinhas editadas de troca-troca de looks no Tik-tok, protagonizadas pela geração Z, mas não só. Bem, isso é a sociedade do espetáculo em que vivemos, onde precisamos da aceitação alheia, talvez até como validação da nossa própria existência. É profundo, até certo ponto, quando não desviado apenas para interesses comerciais. E geralmente é o que acontece. Mas me faz pensar que uma pessoa pode ser constrangedora simplesmente por existir em certo contexto, digamos, diferente do usual. Quando “passamos vergonha”, estamos relacionando a sensação ao narcisismo e à aceitação social, sem a qual não conseguimos formar laços. As marcas de moda já entenderam o recado e estão aproveitando a onda cringe para vender aos dois lados. A Amaro foi uma das mais rápidas, sua comunicação eficiente comparando os itens que mais agradam às duas gerações foi certeira. Longe de entrar na discussão, surfa na onda e vende para todes. E quem pode julgá-la? Acontece o mesmo com a sustentabilidade, que virou o tema da vez entre as marcas, mesmo que só no discurso, para boa parte delas.

E o que a moda tem a ver com isso?

Ahhh, a moda tem tudo a ver, ela é o espírito de seu tempo, expressão de identidades, de quem somos ou queremos ser. Diga-me o que vestes e te direi quem és, não é assim que os jovens se reconhecem e se agrupam em suas narrativas visuais e de pertencimento? No entanto, a vergonha de não ter a aparência certa, o look certo, o cabelo certo, dentro do seu grupo de referência, pode ser paralisante e extremamente redutor. O jovem que não se encaixa no perfil estético é cringe, passa a ser piada no tribunal da inquisição das aparências que virou a Internet. Fica estigmatizado, é motivo de riso. Ele pode deixar de sair ou de se comunicar, de fazer amigos, fechar a câmera nas aulas on line, colocar um capuz no dia de “cabelo ruim”, ou fazer a mãe comprar algo que o legitime como integrante de determinado life style, mesmo que só nas aparências, identificando-se conforme os códigos visuais de seu grupo. Calça skinny? Nem pensar! Um legítimo Z jamais passaria essa vergonha millenial, usaria uma wide leg.. Não sabemos se rimos ou choramos com esses dramas da idade, os quais quem já passou talvez não se lembre mais, mas na sociedade da performance, dos moralismos controladores, dos imperativos de gozo (aproveite o máximo, compre isso, seja positivo, compre aquilo, seja feliz, compre e seja!), o consumo se relaciona com coisas totalmente desnecessárias, onde segue-se incentivando o “ter para ser”, quando as melhores coisas da vida não são coisas. É tão simples, só que não!  Para os que andam à margem, numa dimensão onde sua existência não está condicionada à modinha da vez, paira a sombra do bullying e da vergonha alheia disfarçados, sutilmente, pelas novas palavras ou verbos da vez. Cafona, brega, cringe, ringarde (esse último, em francês, só vai saber quem viu Emily in Paris).  Seja o nome que tiver, isso sempre envolve uma opressão, um julgamento, um reducionismo das existências, caso alguém não se encaixe. Finalizo fazendo um apelo como mãe e professora que vê o estrago que isso faz na autoestima das crianças e adolescentes. Precisamos ensinar nossos jovens a dimensionar a vida on line de outra forma, encorajá-los a agir de acordo com seus valores, sem sentar na cadeira do tribunal das redes sociais, não se colocar nesse lugar. Que as gerações convivam em suas diferenças, e elas sempre existirão, mas que todos possam ser quem são, como são. Em tempos de apagamentos, que a ética prevaleça, trazendo o respeito e o aprendizado compartilhado, para o bem de todos. Ou de todes. Assim seja.

E agora, esta coluna já pode ser listada oficialmente como cringe, risco assumido! ☺

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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