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Madeleine Muller

O Patchwork e a Moda: a reinvenção de uma técnica

Patchwork ressurge, com tudo junto e misturado criando novas narrativas visuais

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Durante a pandemia muita gente aproveitou para exercitar os próprios talentos manuais em casa, resgatou alguma tradição da família ou aprendeu alguma técnica para se entreter com suas roupas, modificando-as ou recriando jeitos de usá-las. Quem não teve uma avó tricoteira ou uma tia que costurava bem? Pois a estética "faça você mesmo", que reinou na quarentena, ressuscitou técnicas e costumes de antigamente, em tempos mais escassos de recursos que faziam com que as pessoas soubessem reaproveitar e fazer durar o que tinham nos armários.

Custava caro comprar uma peça de roupa nova sem existir a real necessidade, ainda não havia espaço para o mero desejo consumista: renovavam-se as antigas, muitas vezes misturando partes de uma roupa com outras. E assim construía-se uma roupa “nova” a partir das velhas. Esse é o Patchwork. Da costura aparente, silhuetas irregulares e uma pegada confortável, surgem vestidos, casacos, tops, saias e calças feitos a partir da união de retalhos, propondo uma narrativa visual diferente de tudo que vemos pelas lojas - as roupas (não só vestuário, mas as de cama e mesa também), invadiram as redes sociais. Isso já vinha aparecendo mesmo antes da pandemia, através das marcas de moda que decidiram resolver a questão dos desperdícios têxteis e dos estoques parados, usando a técnica para aproveitar seus excedentes.

Unindo pedaços

O movimento de ressignificar roupas, sendo sobras de coleção ou mesmo de segunda mão, acabou virando uma tendência muito apreciada pelos usuários do TikTok, que, impactados pelos tutoriais de como fazer patchwork publicados na plataforma (com quase 70 milhões de visualizações), decidiram reinventar algumas peças de seus próprios armários. E as marcas de moda, percebendo esse movimento, correram para lá também, afinal, você tem de estar onde seu consumidor está e entender suas novas demandas.

Tie dye, patchwork, macramê são algumas das técnicas que voltaram com força no ano passado, inspirando as novas gerações a exercitarem seus talentos manuais e aparecer, orgulhosamente, para seus seguidores, com suas criações. Ou adquirindo a peso de ouro as fabricadas por suas marcas favoritas.

Mas onde começou tudo isso?

Os primeiros registros de técnicas semelhantes ao patchwork são do Egito Antigo, através das roupas de faraós. Graças aos comerciantes, passou pelo Oriente e pela Alemanha até chegar à Inglaterra, onde associou-se ao processo de quilting , que une camadas para formar tecidos acolchoados. Seu registro na Europa data da Idade Média já aparecendo em faixas, bandeiras, coletes de guerra, panneauxs e roupas do clero. Foi no século XVII que o quilting e o patchwork passaram a ser encarados como um ofício popular, normalmente executado por mulheres em encontros sociais para formar colchas de linho e lã.

Como tecido e linha eram raridade na época, além do valor artesanal da técnica e da cultura que girava em torno dela, todo esse trabalho visava economizar. Foi baseado no conceito de economia na produção de roupas que se manteve o crescimento do patchwork até chegar ao século 20. Em tempos de guerra e da Grande Depressão, a classe trabalhadora o utilizava tanto para criar novos itens, reaproveitando retalhos, quanto para tapar buracos e fazer remendos.

E depois virou moda

A apropriação pela moda começou no final dos anos 60, com os hippies. Seu jeito inusitado de vestir compondo a própria aparência de forma tão livre tornou-se inspiração para os designers da época, e a combinação de tecidos também passou a ser encarada como um truque de estilo. Nos anos 1970, muitos artistas passaram a usar peças com patchwork. Editores de moda também apreciavam inseri-lo nos editoriais de moda, mas foi apenas nos anos 90 que a técnica ganhou força graças a nomes como Vivienne Westwood, John Galliano e Versace, que apostaram nas combinações cheias de personalidade.

 O patchwork de jeans foi um dos mais adotados pois todo mundo tinha calças ou jaquetas velhas para misturar pedaços, mas não só. O patchwork e suas muitas histórias, materiais, cores, texturas e costuras aparentes invadiu as passarelas, assumindo sua irreverência e junção de tecidos diversos, quase uma colagem desconexa, desafiando o universo da moda a se reinventar, seja pelo motivo que for: economia, ousadia, criatividade, sustentabilidade. A técnica segue relevante na virada do século, em pleno 2021, tanto no DIY quanto nas marcas mais badaladas, com destaque para Dolce & Gabbana, que apresentou um desfile inteiro construído com retalhos de seus tecidos e roupas de coleções passadas, revisitando estoques e recriando a partir de sua própria história.

E se é sobre se reinventar, se reconstruir após tantos impactos, não há exemplo melhor para a moda seguir em frente...Let´s patch!

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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