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Madeleine Muller

Por que é tão importante informar-se sobre os bastidores da indústria da moda

Madeleine Muller traz dicas e motivos para que você conheça melhor o movimento Fashion Revolution

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Escrevo esta coluna exatamente no dia D do desabamento do Rana Plaza em Bangladesh (que está completando 8 anos hoje). Sim, este é um tema recorrente aqui neste meu/nosso espaço de fala. Desde que conheci e entrei para o movimento Fashion Revolution em 2015, mudei minha maneira de pensar sobre a moda, sobre o consumo de roupas e sobre como eu própria via a minha participação nessa indústria poderosa e global que movimenta muito dinheiro, dá emprego a muita gente, mas nem sempre em condições dignas de trabalho, como fui descobrindo nas minhas pesquisas, lendo relatórios e checando dados.

Antes do Rana Plaza, confesso que não sabia muito sobre as terceirizações para os países periféricos - ou em desenvolvimento, como queiram. Eu não via. Não sabia. Estava na minha vida de Pollyana, perfeitamente confortável na minha bolha de acomodação fazendo o que era esperado de mim no mercado em que atuava, incentivando o consumo, sem maiores questionamentos. Por um bom tempo, eu só via o lado bonito, o espetáculo, o sonho, reforçando a fala de que a moda é expressão da nossa personalidade, espírito do tempo, identidade e blá-blá-blá ...Sim, ela pode ser tudo isso, mas também é uma instância social, feita por pessoas e para pessoas. Eu estava trabalhando muito mais na frente do “para pessoas” , não por desconhecer o outro lado, mas porque fui me deixando levar pelas luzes da sociedade do espetáculo. Pois essas luzes perderam o brilho para mim no dia em que vi as imagens do terrível episódio conhecido por Rana Plaza. Logo em seguida, assisti o documentário The True Cost, que também já recomendei aqui em outras colunas, um choque de realidade para os amantes da moda e, especialmente, para quem está entrando no mercado agora e não acompanhou de perto o que aconteceu em 2013. Mas é necessário conhecermos essas histórias e entendermos que nossas ações enquanto consumidores estão relacionadas a tudo isso, e envolvem muito mais pessoas do que imaginamos. Nós fazemos girar a roda e movimentamos a cadeia sempre que fazemos alguma compra, não importa onde estejamos neste mundo globalizado e interconectado.

Em território nacional, o Fashion Revolution é um case de sucesso. Depois da sede global, em Londres, é onde concentra sua maior capilaridade e número de pessoas. Sua chegada no país foi em 2014, por meio de Fernanda Simon, atual diretora executiva, junto da diretora educacional, Eloisa Artuso. Por aqui o movimento garante sua força através do diálogo e estrutura pulverizada, tendo uma equipe nuclear em contato com os mais de 70 representantes locais, em 22 estados do país, responsáveis por organizar ações nas suas cidades; e mais de 200 estudantes e docentes embaixadores, que têm a mesma tarefa, só que em suas instituições de ensino, e de forma totalmente de forma voluntária.

A comunicação, aliás, é um pilar fundamental do movimento, que desenvolve conteúdos em todas as plataformas de mídia, somando mais de 150 mil espectadores. Outros projetos importantes são o Índice de Transparência da Moda no Brasil, que analisa a disponibilidade de dados públicos de grandes marcas de moda, e o Fórum Fashion Revolution, evento que reúne pesquisas e trabalhos acadêmicos no escopo da sustentabilidade na moda. Além disso, há sempre recomendações de filmes, artigos, exposições, e muita informação para quem quiser se aprofundar no assunto e tornar-se um voluntário multiplicador para boas práticas no mercado, fomentadoras de impactos positivos para a sociedade e o meio ambiente.

A dica mais recente para mostrar os bastidores do que acontece nas regiões que são polo de confecções, sugerida pelo Fashion Revolution Brasil, é o documentário Pega-se Facção, disponível no Youtube. Trata-se do universo domiciliar de uma família de costureiras da zona rural de Caruaru (PE), buscando contar um pouco da história das mulheres com relação à costura e à divisão desse universo de trabalho com o contexto do trabalho doméstico e cuidados familiares, além de problematizar acerca da produção e do valor pago. Em tom intimista, traz uma reflexão acerca do futuro das próximas gerações de mulheres da família.  Para quem gostou do “Estou me guardando para quando o carnaval chegar”, lançado em 2019, este segue na mesma linha, mostrando realidades que não estamos acostumados a ver, bem como as vidas invisíveis que formam a base da cadeia da moda no Brasil. Vale conferir para entender um pouco melhor como a coisa funciona, mas principalmente para repensar nossos hábitos de consumo, especialmente no mês em que a maioria dos cursos de moda promovem debates sobre essas questões, que não deveriam ficar restritas apenas à Semana do Fashion Revolution. São reflexões necessárias para uma moda mais justa e responsável, mas que precisam de práticas efetivas, continuidade, fiscalização e envolvimento de todos, em caráter permanente.

Até a próxima!

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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