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Madeleine Muller

Economia circular na prática

Madeleine Muller mostra como algumas marcas estão repensando seus processos sem exaurir a natureza

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A gente fala muito em economia circular aqui na coluna, pensando sempre em fomentar uma visão de futuro para que a indústria da moda seja mais saudável e regenerativa, fazendo com que os produtos sejam mantidos em circulação de forma intencional por vários ciclos e cadeias produtivas. Mas para quem está acostumado com um presente tão linear, fica difícil imaginar como esse novo modelo se manifesta na prática, em produtos e projetos reais, não é mesmo? Além disso, é preciso refletir, testar e implementar formas para que a economia circular possa ser alcançada e adaptada às realidades e necessidades de cada setor, país ou região. A economia circular e o sistema Cradle to Cradle* requerem uma grande mudança na forma como produzimos e consumimos, que além de necessária, seja viável, e possa se manifestar de diversas formas de acordo com o contexto e necessidades locais.

Economia circular: o que é isso mesmo?

Apesar de parecer novidade, o conceito já é antigo: lembra quando as roupas circulavam entre as gerações, que herdavam peças de qualidade e cheias de histórias? Nada era desperdiçado pois a vida era dura, as coisas custavam caro, não havia tantas opções e todos cuidavam das suas coisas para que durassem. E elas duravam realmente. Nossas avós já faziam o que se chamava de economia doméstica, expandindo o conceito para economia circular, como uma “nova” forma de pensar o nosso futuro e como nos relacionamos com o planeta, dissociando o crescimento econômico e o bem-estar humano do consumo crescente de novos recursos. Para isso, segundo os autores do C2C, materiais circulam como nutrientes técnicos ou biológicos em sistemas industriais integrados, restaurativos e regenerativos. Isso é bastante diferente do atual sistema produtivo linear, em que o crescimento econômico depende da extração insustentável de recursos finitos, produzindo contaminação generalizada por resíduos inutilizados e potencialmente tóxicos para os seres humanos e os sistemas naturais. O desenho intencional de novos produtos e processos possibilita o aproveitamento efetivo dos recursos e materiais. Assim, os resíduos se tornam nutrientes em novos processos – e produtos ou componentes podem ser reparados, reutilizados, atualizados ou reinseridos em novos ciclos com mesma qualidade ou superior, ao invés de serem jogados fora, já que não existe fora, como sempre salientamos por aqui!

Que marcas de moda ou performance estão puxando a frente e apresentando produtos baseados na economia circular? A seguir duas delas, famosas e mundiais, que já começaram uma mudança...

Adidas - O protótipo da Adidas conhecido como “Futurecraft.loop” é resultado de uma década de estudos e em abril de 2019, a empresa conseguiu finalmente lançar 200 unidades do produto, enviados a 200 corredores profissionais ao redor do mundo para fase de testes e feedback. Em novembro de 2019, a Adidas coletou as 200 unidades e pôde aplicar o processo de reciclagem, devolvendo os tênis aos mesmos atletas para o fechamento dos testes. O lançamento oficial para o público está previsto para 2021, é um tênis de alta performance 100% reciclável mostrando o potencial do design circular em desenhar produtos pensados para retornarem aos seus ciclos. Ao final do uso, a empresa recolhe o calçado para reciclagem, e transforma os materiais em insumos para novos calçados inúmeras vezes, sem perda de qualidade. A fabricação das peças acontece na China e a montagem nos EUA, mas é claro que, em função de logística e distribuição, não podemos dizer que o produto é 100% sustentável, mesmo sendo 100% reciclável. Mas já é um início!

 

C&A - E será que uma grande varejista de fast fashion como a holandesa C&A consegue fazer algo para mitigar seus impactos ambientais e lançar produtos mais sustentáveis, sem green washing? Os jeans da coleção Ciclos são feitos de materiais seguros e totalmente recicláveis, tornando a C&A a primeira marca varejista de moda a conquistar a certificação Cradle to Cradle® nível Gold para peças produzidas no Brasil. A coleção oferece diversas opções de denim nos modelos feminino e masculino, comercializando calças, shorts, saias e jaquetas jeans. A empresa divulga que o material é produzido com 100% de algodão mais sustentável (nada é 100% sustentável, atenção!!!), tem selo obtido com o processo Better Cotton Initiative (BCI) para os tecidos e com certificação de algodão orgânico na origem para as linhas de costura. Além disso, a fabricação do denim usa elastano adaptado ao ciclo biológico e produtos químicos seguros e livres de metais pesados ou outras substâncias tóxicas em peças como botões. Depois de usados, os jeans 100% recicláveis podem ser retornados em pontos de coleta do Movimento ReCiclo dentro das próprias lojas da C&A para que seu ciclo seja cumprido, Sim, é a tal da logística reversa, mas ela só funciona para algumas linhas de produtos, que dependem de como foram projetadas.

Se mudarmos a nossa mentalidade de pegar-usar-descartar e pensarmos em novas formas de mantermos nossas roupas sempre circulando e fechando o ciclo, é possível melhorar o quesito poluição e desperdício da indústria têxtil. A ideia da C&A em trabalhar com um programa de coleta de roupas usadas, o “Movimento ReCiclo”, já é um grande passo. Nele é possível doar peças de roupa nas urnas da loja que serão encaminhadas para reuso em instituições parceiras ou manufatura reversa por um parceiro responsável. O movimento já arrecadou mais de 100 mil peças, cerca de 27 toneladas, destinando 70% para reuso e 30% para reciclagem.

Se os grandes players podem (e devem) fazer sua parte, e as boas ações feitas em grande escala, todos saímos lucrando. A natureza também.

Para mais exemplos de diversas áreas que estão trabalhando firme na economia circular, acesse e baixe gratuitamente o e-book Estudos de Caso de Economia Circular - Ideia Circular.

Até a próxima!

Cradle to Cradle* (C2C) em inglês quer dizer ‘do berço ao berço’. Essa expressão foi título de um livro-manifesto publicado em 2002 pelo arquiteto americano William McDonough e pelo engenheiro químico alemão Michael Braungart, que veio a se tornar uma das obras mais influentes do pensamento ecológico mundial (no Brasil publicado em 2014 com o título “Cradle to Cradle – Criar e reciclar ilimitadamente”).

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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