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Madeleine Muller

O Fashion Revolution e a tão desejada conscientização na área da moda

Movimento global está em mais de 100 países

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Quando fui para Portugal em 2015 a fim de fazer um mestrado, queria investigar mais profundamente o papel da moda na transformação de realidades, já que a moda é uma instância social e, portanto, coletiva. Eu já atuava em alguns grupos que atendiam comunidades carentes e participava de projetos sociais no Rio Grande do Sul, mas nenhum com a força e a dimensão do Fashion Revolution, que não é um “projeto” (este supõe início, meio e fim), mas um movimento global sem fins lucrativos, representado pela The Fashion Revolution Foundation e pelo Fashion Revolution CIC, com equipes de voluntários em mais de 100 países, em caráter permanente, e que teve sua origem num fato muito triste.

No dia 24 de abril de 2013 um acidente abalou o mundo e mudou a história da moda. O Rana Plaza, complexo têxtil em Dakha, capital de Bangladesh, que abrigava confecções de roupas e produzia para marcas conhecidas no mundo todo, desabou. Mais de 1.100 pessoas morreram e mais de 2.500 ficaram gravemente feridas, muitas incapacitadas de trabalharem novamente. Centenas de pessoas morreram costurando roupas para alimentar o desejo insaciável de consumo. Um ciclo vicioso de produção e consumo criado pela indústria da moda, oferecendo produtos por preços cada vez mais baixos, esquecendo das vidas por trás de cada peça.

Acidentes em confecções são frequentes, principalmente em países asiáticos, mas violações dos direitos humanos e condições trabalho degradantes podem ocorrer em todo o mundo. No Brasil, diversas marcas já foram flagradas com trabalho análogo à escravidão. Infelizmente existem as leis de proteção ao trabalho, mas não temos fiscalização suficiente para controlar os abusos, que acabam vindo à tona através de denúncias. No site do Fashion Revolution, há muitas informações sobre essa temática, mas o mais comovente é a invisibilidade das pessoas por trás das nossas roupas. Antes do FR, ninguém pensava muito nisso, nem pesquisava a origem de suas roupas, como eram feitas, por quem e em quais condições. Além disso, a indústria da moda é ainda uma das maiores poluidoras do planeta, desde a extração da matéria-prima, passando pelos processos de fiação, tecelagem, beneficiamento, corte, costura até chegar no cuidado em casa e no descarte. O alto consumo de água, energia, químicos tóxicos, as emissões de carbono e a produção de resíduos permeiam todo este cenário. Para citar apenas um exemplo, estima-se que só no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, sejam produzidas 12 toneladas de resíduos têxteis por dia, segundo a Sinditêxtil-SP. Toneladas que vão parar em aterros sanitários ou incineradas, que desperdício!

Por outro lado, a moda é uma força a ser considerada. Ela inspira, provoca, conduz e cativa. E por acreditar que a moda pode e deve ser usada como uma força para o bem, Carry Somers e Orsola de Castro fundaram o Fashion Revolution, logo após o acidente do Rana Plaza, para que tragédias como esta, nunca mais voltem a acontecer. O Fashion Revolution se espalhou rapidamente pelo mundo e hoje está presente em mais de 100 países, acreditando no poder de transformações positivas da moda, e tem como principais objetivos: conscientizar sobre os impactos socioambientais do setor; celebrar as pessoas por trás das roupas; incentivar a transparência e fomentar a sustentabilidade.

Quem faz suas roupas?

O Fashion Revolution é uma das poucas campanhas verdadeiramente globais a surgir neste século, que gira em torno da simples, porém poderosa questão: #QuemFezMinhasRoupas? e convida todos a refletirem sobre o verdadeiro custo das roupas e seu impacto nas pessoas e no meio ambiente, em todas as fases do processo de produção e consumo. O dia 24 de abril ficou marcado como o Fashion Revolution Day, que ganhou força e se tornou a Semana Fashion Revolution, que conta com atividades promovidas pelos núcleos ao redor do mundo. No Brasil, o movimento atua desde 2015 realizando ações, debates, exibições de filmes, workshops e conteúdos para incentivar mudanças de mentalidade e comportamento de consumidores, empresas e profissionais da moda. Desde o ano passado, porém, toda a programação passou a ser on line, em função da pandemia.

O crescimento e fortalecimento do movimento no Brasil resultou na constituição do Instituto Fashion Revolution Brasil, que trabalha em parceria com diversos atores da sociedade civil, terceiro setor e poder público para alcançar mudança efetivas,  reforçando o desejo de suas criadoras de incentivar as pessoas a imaginarem o fio condutor do vestuário, passando pelo costureiro até chegar no agricultor que cultivou o algodão que dá origem aos tecidos e assim, iniciar um processo de descoberta, aumentando a conscientização de que a compra é apenas o último passo de uma longa jornada que envolve centenas de pessoas, realçando a força de trabalho invisível por trás das roupas que vestimos.

O Fashion Revolution quer mostrar ao mundo que a mudança é possível! A conscientização é o primeiro passo para que poderosas transformações aconteçam. Neste ano, o tema principal tem a ver com Direitos, Relacionamentos e Revolução, e se quisermos entender em apenas um parágrafo o que seria isso, é o seguinte:

“Os Direitos Humanos e os Direitos da Natureza são conectados e interdependentes. Nós somos parte de algo maior da vida na Terra, nós somos natureza. Se o meio ambiente não estiver saudável, nós também não estaremos. Assim, precisamos revolucionar a forma como nos relacionamos, tanto na esfera individual, como na coletiva, considerando todas as pessoas da cadeia produtiva da moda e a Natureza, para então alcançar a saúde, o bem-estar e a prosperidade para todas as pessoas e para o Planeta. Na Semana Fashion Revolution 2021, queremos mobilizar pessoas para além da nossa comunidade, amplificar vozes não ouvidas ou marginalizadas, e trabalhar juntos em prol de soluções inovadoras e interconectadas”.

Agora é a hora da revolução na moda!

Até breve...

Acompanhe a programação entre 19 e 25 de abril e conheça as iniciativas para este ano.

Siga o FR nas redes sociais ou consulte o site.

#QuemFezMinhasRoupas #aCorDeQuemFezMinhasRoupas #DoQueSãoFeitasMinhasRoupas #FashionRevolution

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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