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Madeleine Muller

4 questões sobre a sustentabilidade na indústria da moda

Em sua coluna, Madeleine Muller propõe debate sobre pontos importantes a respeito da produção e do consumo de moda

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Muita gente se pergunta se é possível ser sustentável dentro da indústria da moda, e que pergunta difícil! Primeiro porque não fica claro para a maioria o que é a sustentabilidade, segundo porque as respostas são tantas e tão complexas que é impossível ter apenas uma visão sobre o assunto, dependendo do contexto e do ponto de vista. Quem está no lugar de fala? Estamos ouvindo/lendo sobre quem está produzindo ou sobre quem está consumindo? Pois ambos dependem um do outro, não é mesmo? E os interesses por trás dessas relações também são muito variados. Li um artigo interessante do Ben Hanson, que é analista e especialista em tecnologia e varejo de moda, onde ele conta sobre um podcast promovido por uma determinada indústria, onde o apresentador e o convidado argumentaram não existir uma definição pura de sustentabilidade na moda, tornando difícil saber o que fazer para efetivar a mudança. Ben discordou e levantou algumas questões e eu aproveitei para trazer o debate aqui, a partir de suas ideias.

(Ben): Toda estratégia de sustentabilidade é única. Alguns priorizarão uma mudança para materiais orgânicos e reciclados. Outros farão o possível para salvaguardar os padrões de vida de seus trabalhadores da cadeia de suprimentos. Outros ainda tentarão quantificar o carbono que seus processos de produção, distribuição e descarte despejam no meio ambiente. E haverá misturas no meio. Mas ter abordagens diferentes não significa que não haja um objetivo comum.

Eu: Ninguém e nenhuma empresa é sustentável 100%, não dá para fazer tudo ao mesmo tempo e resolver todos os problemas de uma vez, mas sempre dá para fazer algo, e é fundamental fazê-lo, nem que seja uma pequena ação com impacto positivo ou melhoria de algum processo. É importante sair do discurso e virar uma prática constante. Sustentabilidade não é um apêndice num projeto, ela deve estar contemplada em todas as etapas, fazendo parte do DNA da marca ou da empresa, e não apenas como estratégia de marketing ou para surfar a onda da vez.

(Ben): Uma empresa de moda sustentável é aquela que pode continuar a operar indefinidamente sem danificar a si mesma ou ao mundo ao seu redor cada vez que o ciclo se repete. Em termos de equilíbrio, ela não deve tirar mais do que coloca, ou esse sistema falha e precisa ser sustentado pelo suporte externo. No seu nível mais essencial, o tema da sustentabilidade na moda não precisa ser mais complicado do que isso.

Eu: O conceito de moda sustentável pode ser traduzido como uma forma consciente de se produzir moda, aliando design, tecnologia e ecologia de maneira criativa e inovadora. Requer uma mudança de mindset e mudanças levam tempo: nada é instantâneo! Ainda mais quando falamos da transição de uma economia linear para uma circular, assunto em alta, mas que ainda poucos estão realmente dispostos a fazer, talvez até por não saber como. Contudo, temos de iniciar de algum lugar, aprender, reunir informação, nos posicionar, falar e buscar soluções que sejam integrativas e possíveis, exequíveis. Cruzar os braços ou entrar em modo negacionista, não resolve nada. Temos de enfrentar esses desafios do nosso tempo, de preferência coletivamente, em todos os níveis hierárquicos, do gestor ao operário, para as ações terem mais peso e se ampliarem, em benefício de todos.

(Ben): Como indústria, para ser considerada verdadeiramente sustentável, a moda deve ser capaz de funcionar em termos próprios – do design ao descarte. E deve ser capaz de fazê-lo sem subtrair o valor líquido permanente do meio ambiente, das pessoas e das economias que o alimentam. Não é uma declaração controversa dizer que, por esta métrica central, a moda não é decididamente uma indústria sustentável. E, de fato, a maioria das organizações de moda também não são sustentáveis.

Eu: Concordo e discordo, ao mesmo tempo, porque a mudança depende de um ato volitivo, e sempre se pode fazer algo- já há muitas empresas revendo seus processos e se readequando- mesmo que leve tempo e não aconteça em todas as etapas, concomitantemente. Empresas de vários portes já estão nessa transição, adaptando-se, criando alternativas e flexibilizando seu modelo de negócio. Mesmo as grandes varejistas de fast fashion entenderam que não podem mais ignorar essas questões, e contam com departamentos de sustentabilidade já comunicando as mudanças. Resta saber se estão cumprindo os compromissos firmados. Em algum momento, todas as ações com impacto positivo convergirão para um sistema de moda mais limpo, transparente e justo. Isso está acontecendo porque cada vez mais o consumidor exige um maior comprometimento das marcas em questões éticas envolvendo justiça social e ambiental. Sustentabilidade não é a modinha da vez, não é uma tendência, é uma emergência e uma necessidade!

(Ben): As empresas de moda devem olhar para seus impactos corporativos. Mirar a sustentabilidade total é impraticável, mas limitar-se a apenas fazer mudanças nos materiais utilizados não é o suficiente, pois o conceito envolve muito mais do que isso. É preciso olhar mão-de-obra, materiais, processos, logística, água e energia. Explorar opções de fornecedores, olhar para a cadeia como um todo, e assim identificar onde se pode fazer melhor, com os recursos disponíveis.

Eu: Sustentabilidade na moda depende de um entendimento prévio do que é o seu negócio, no sentido mais profundo, equilibrando os pilares econômico, social e ambiental. Hanson afirma que "continuidade" é a palavra de ordem, porque o negócio precisa ser bom não só para a empresa em termos financeiros, mas também para as pessoas e o meio ambiente. É aquela história de que não basta ser a melhor empresa do mundo, mas a melhor empresa para o mundo. Isso requer muito mais do que ações isoladas ou pontuais. Requer conscientização e envolvimento constante nas questões que vão se apresentando no dia-a-dia. Quem terceiriza sua produção, por exemplo, não pode deixar de conhecer as práticas do terceirizado, pois incorre em responsabilidade solidária, caso existam abusos nas relações de trabalho. E não dá mais para alegar que “não sabe” ou que não tem como fiscalizar fora de suas vistas, pois o monitoramento dos fornecedores e parceiros já pode ser controlado online, sendo este um dos passos para tornar a indústria mais sustentável, enfatizando a rastreabilidade e fortalecendo toda a cadeia de valor.

Este é um tema que certamente exige mais ações, pois já estamos falando e refletindo sobre isso há bastante tempo. Contudo, há a necessidade de posicionamento tanto das empresas quanto dos consumidores. Com a implementação de ações adequadas e o auxílio da tecnologia,- que está a oferecer novas possibilidades, talvez ainda não tão acessíveis, mas isso virá com o tempo- é possível mudar o cenário atual, de poluição e descarte excessivo, deslocando a indústria têxtil do papel de vilã do meio ambiente, para o de uma potência econômica e social passível de ser ressignificada, conforme as mudanças no mundo e na sociedade assim o exijam, com consciência e engajamento. É o Zeitgeist* na sua roupagem mais ativista.

Até a próxima!

*Zeitgeist = espírito do tempo.

Para quem quiser conferir o artigo do Ben Hanson na íntegra: The Secret To Sustainability Is Not Narrowing It Down - The Interline

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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