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Madeleine Muller

Epidemia de plástico - parte 2

Com o uso de máscaras por conta da pandemia, Madeleine Muller lembra que aumentamos ainda mais a quantidade de plástico que vestimos

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Ano passado eu escrevi uma coluna aqui no Bella Mais sobre o plástico, fazendo um trocadilho com o filme o Diabo veste Prada, porque nós todos, na verdade, vestimos plástico. E com a explosão covidiana do uso de máscaras e descartáveis hospitalares- que infelizmente não podem ser reciclados pelo perigo da contaminação-, neste ano teremos muito mais desse material sendo incinerado e produzindo gases tóxicos. Na vida moderna, o plástico está em toda parte: no ar, na água, no solo. Como aponta o Atlas do Plástico (da Fundação Heinrich Böll, com o movimento Break free from plastic ), ele é veículo para a globalização e símbolo do capitalismo não regulamentado em estágio avançado – um sistema que externaliza custos produtivos em detrimento das pessoas e do meio ambiente. Me entenda, ele tem sua utilidade e vantagens, não é o “vilão”, a forma como está sendo utilizado e descartado, o excesso, sim. Quando o lucro está acima do bom senso e do bem comum, dá nisso.

Mesmo para um cidadão consciente, o plástico é inevitável, e viver sem ele requer acesso a privilégios sociais e econômicos dos quais nem todos desfrutam. Eis o problema desse material: o que o torna útil é exatamente o que o torna prejudicial: ele persiste! Suas cadeias moleculares são muito resistentes para se biodegradar em curto período de tempo, além de causar efeitos adversos na natureza e na humanidade. Os vestígios de plástico parecem ser onipresentes não apenas no meio ambiente, mas também em nossos próprios corpos ao comer peixes, ao usar nossas roupas e produtos de higiene. O plástico consegue poluir em todos os estágios de seu ciclo de vida, desde quando o petróleo e o gás são extraídos para produzi-lo até quando é descartado indevidamente em aterros, reciclado de maneira equívoca ou queimado.

O uso e a produção de plástico aceleraram a uma velocidade vertiginosa, com mais da metade sendo fabricado após 2005. O mercado é controlado por grandes corporações multinacionais que estão investindo cerca de 200 bilhões de dólares em capacidade adicional para produzir mais produtos petroquímicos, dos quais a maioria se tornará plástico. Capitalizando o gás de xisto dos Estados Unidos, o plano é construir mais de 300 novas instalações de produção ou expansões, visando adicionar 40% a mais de plástico ao comércio até 2025. O fornecimento supera em muito a demanda. No mundo, mais de 400 milhões de toneladas de plástico são produzidas a cada ano. As embalagens representam mais de um terço dessa produção, e são feitas para serem jogadas fora! Vivemos uma crise sem precedentes ligada à poluição, alterações climáticas e, claro, aos efeitos residuais dessa pandemia que está trazendo ainda mais lixo plástico, onde nosso país figura entre os 4 maiores poluidores, junto com EUA, China e India, conforme dados do movimento Break free from plastic.

Consumidores tem responsabilidade

E o que a moda tem a ver com isso? Os consumidores geralmente não sabem que poliamida, poliéster, acrílico e nylon na verdade se referem a fibras sintéticas – em outras palavras, plásticos. Esses materiais são populares por serem elásticos, macios ao toque, secam rápido e pesam menos que roupas feitas de fibras naturais, como o algodão. Então, nós vestimos plástico! Fazer uma camisa de poliéster pode emitir entre 3,8 e 7,1 kg de CO2. Ou seja, o que vestimos influi nas alterações climáticas, embora individualmente essa “culpa” não apareça. Tente pensar nesse número coletivamente, com toda uma população e a quantidade infinita de produtos despejada pela indústria da moda a partir do plástico. Sim, as roupas de poliéster podem ser mais baratas que as de fibras naturais ou recicladas, e nem sempre há escolha, para a maioria. A indústria da moda tem um papel importante, esperamos mudanças e que elas sejam sistêmicas, com cadeias produtivas integradas.

Porém, precisamos agir e conscientizar, pressionar os governos em busca de ações regenerativas, não só as compensatórias, para manter o equilíbrio do planeta. Mudar nosso estilo de vida insustentável produzindo e consumindo menos, apenas o suficiente. Nem mais nem menos. Uma nova forma de pensar e de viver - utópica, talvez- , mas não fazer nada não é opção. Conectar os pilares econômico, social e ambiental pensando nas próximas gerações não pode ficar só no compromisso. Esse é o desafio deste século, onde todos somos responsáveis. Fazemos parte do problema, é urgente nos envolvermos também nas soluções.

Para acesso ao Atlas do plástico consulte: Heinrich Böll Stiftung - Rio de Janeiro Office (boell.org)

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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