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Madeleine Muller

Menos conversa, mais ação: as marcas precisam combinar suas palavras com mudanças reais

Madeleine Muller lembra que as marcas terão de olhar para dentro e operar as mudanças estruturais e de processos

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Quando eu era estudante de Direito, cheia de sonhos e acreditando num mundo ideal e justo para todos, uma das primeiras coisas que aprendi estudando as leis foi a diferença entre eficiência e eficácia. Parecem a mesma coisa, mas não são: de maneira simplificada, eficiência significa fazer alguma tarefa bem-feita, enquanto eficácia significa fazer o que precisa ser feito, produzindo os efeitos esperados. Uma tarefa pode ter sido bem executada, mas não ter alcançado efeito algum, ficando inócua, perdida na avalanche de coisas a fazer (ex. marcas que produzem produtos sustentáveis mas não informam nada, não divulgam a origem das matérias-primas nem como os produtos são feitos ou por quem, não contam a história, ou seja, sabem fazer um produto ético ou que não agride o meio ambiente mas não sabem comunicá-lo. Estão fazendo a coisa certa, mas ninguém está sabendo desse diferencial, não estão atingindo as pessoas! Precisam surtir o efeito de levar a mensagem ao seu público e ser percebido por ele, para aí sim produzir efeitos. Que efeitos? Ser reconhecido, admirado, comentado, validado, comprado...e assim continuar no mercado, atingindo seu propósito.

Portanto, as marcas de moda que realmente querem vender fazendo a diferença no mundo, terão de olhar para dentro e operar as mudanças estruturais e de processos necessárias, fazendo mais do que apenas assumir "compromissos" com práticas éticas.  Palavras que sejam seguidas por ações, do contrário vira mais um discurso vazio facilmente detectado pelos consumidores. E eles cancelam marcas e influencers  mentirosos sem a menor cerimônia, é bom lembrar.

Um relatório da Oxfam e da Universidade Monash divulgado há pouco tempo exortou as marcas a se comprometerem com práticas de compra que reduzam os riscos de direitos humanos em suas cadeias de suprimentos e a trabalhar para garantir a segurança e os salários mínimos para os trabalhadores de vestuário. A questão é que não bastam compromissos públicos de mudança, se as marcas não fizerem nada, além do compromisso, que muitas vezes é visto como o ponto final, mas efetivamente o que se exige é ver a execução desses compromissos.

Repense o valor das roupas

O relatório classificou as marcas com base em 150 pesquisas e 22 entrevistas com proprietários de fábricas, gerentes de produção, comerciantes, supervisores, operários, sindicalistas, economistas e ONGs em Bangladesh. Sim, o lugar do terrível desabamento do Rana Plaza, em 2013 e que provocou uma verdadeira revolução na forma como a indústria da moda estava alicerçada. Algumas marcas também se posicionaram sobre as questões centrais para a pesquisa, como compromissos salariais vivos, transparência e previsão.

O relatório explicou que as práticas de compra incluem uma variedade de elementos, como previsão precisa de trabalho, negociações de preços e prazos, e conformidade ambiental e social das fábricas. Embora os rankings ruins de algumas marcas não fossem surpreendentes, a educação do consumidor foi fundamental para melhorar a indústria, sendo que educar os consumidores sobre o valor real das roupas através de ferramentas de rastreabilidade pode ser um divisor de águas. Ao se repensar o valor das roupas, o preço deve ser sobre de onde a roupa veio, quem são as pessoas em toda a cadeia de suprimentos, em que condições elas produzem e a durabilidade, o quanto se vai poder usar sem precisar repor várias vezes esse item, e isso se consegue com qualidade e justiça social.

O impulso para preços justos

O valor não deve significar que as roupas se tornem mais caras, mas que o preço incorpore uma cadeia de suprimentos mais justa. Um preço mais alto nem sempre significa uma roupa de maior qualidade, mas deveria. Havendo melhores práticas de compra, poderia potencialmente resultar em uma mudança de roupas descartáveis, baratas, mal-feitas, para, ao invés disso, oferecer no mercado roupas de maior qualidade e eticamente produzidas para durar mais tempo. Ou seja, para o consumidor seria comprar menos e usar mais. Para a indústria, vender mais qualidade pagando o justo aos trabalhadores.

De acordo com o relatório, as marcas precisariam começar a separar os custos trabalhistas nas negociações de preços com fornecedores, para garantir um salário mínimo aos operários. Ou seja, os acordos assinados precisariam calcular e afirmar o valor específico que os trabalhadores serão pagos. Mais do que isso, fornecer oportunidades de trabalho dignas. Fundamental a participação dos governos, a fim de fazer valer a legislação e encorajar as marcas a melhorarem suas práticas através de incentivos, mas se for o caso, impingir-lhes penalidades por violações. Há certamente muito espaço para a legislação governamental não apenas reduzir certas práticas abusivas ou a falta de transparência, mas também incentivar melhores práticas, processos de segurança e auditorias salariais. Seguimos de olho, acompanhando as reportagens e os relatórios rumo a uma moda mais limpa, justa, transparente e responsável!

Fonte consultada: https://www.theguardian.com/australia-news/2020/dec/06/no-more-lip-service-ethical-fashion-and-the-true-cost-of-clothes

Para saber mais, assista: https://truecostmovie.com/

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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