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Madeleine Muller

Sua geladeira está na moda?

A colunista Madeleine Muller lembra que moda vai muito além do que vestimos: está em diversos outros produtos

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Quando pensamos em moda, estamos falando de um fenômeno que vai muito além do nosso gosto por roupas e sapatos, ou pelas cores da estação, já que a moda está presente e orienta a produção industrial em vários segmentos, não só no vestuário. Você já percebeu que a indústria automotiva tem apresentado carros em cores diferentes e muito mais vistosas do que os tradicionais pretos e cinzas tradicionais? E as cores na arquitetura e na decoração de interiores? Muitas vezes, elas estão parelhas com as cores que vemos nas vitrines das lojas de roupas, e até os aparelhos celulares seguem as Pantones* da vida, ora estão em reluzentes tons metálicos, ora aparecem em candy colors. Já vi uma geladeira vermelha (tipo red Valentino) na casa de uma antiga vizinha (a cozinha era toda vermelha, algo não muito comum), e depois achei no Pinterest várias opções de geladeiras em jeans, muito fashion! E isso não é mero acaso.

A interferência é tamanha que através da moda percebemos a ocorrência de frequentes mudanças e transformações envolvendo não só a estética dos produtos como aspectos sociais, ambientais, econômicos e políticos. Além disso, a indústria da moda é operacionalizada por processos e stakeholders - os diversos envolvidos na cadeia - desde a extração da matéria-prima até o fim da vida útil dos produtos. Nesse sentido, a moda sai na frente como o ponto de partida onde o novo e a cultura da novidade materializam-se como fatores de estratificação social, diferenciação, construção de identidades e forma de comunicação. Quando me visto, digo algo ao mundo sobre o que sou ou acredito. Posso me sentir incluído e validado por uma marca, em outro momento posso rejeitá-la pela falta de posicionamento em questões relevantes, ou questioná-la sobre seus valores e propósito, caso pareça vaga ou com ações destoantes dos discursos.

No âmbito da cadeia têxtil e de confecção, com seus processos e empresas atuando no desenvolvimento de produtos de moda, é preciso um olhar atento para os diversos momentos dessa produção, da extração da matéria-prima, preparação dos tecidos, confecção, distribuição, passando pela fase do uso e o posterior descarte. Tudo isso é feito por milhares de trabalhadores, além de envolver o design, a inovação, a criatividade, pensando em formas de produção que causem menos impactos negativos para as pessoas e o planeta, rumo a um desenvolvimento mais sustentável: é preciso equilibrar os pilares econômico, ambiental e social, os quais são perpassados pelo pilar cultural, que começou a ser considerado a partir da virada do milênio. A inserção do pilar cultural somando-se ao famoso Triple Bottom Line de Jonh Elkington na década de 90, foi uma inciativa do australiano Jon Hawkes em 2001. Desde então, as possibilidades de pesquisas e discussões sobre moda ampliaram-se muito, principalmente em nível educacional, mantendo viva a discussão de um setor que impacta o mundo e as pessoas de diversas formas. Podemos até não dar importância à moda, mas é impossível ignorá-la. E mesmo quem ficou descontente com os rumos da moda a partir da globalização, quando a produção de moda em nível mundial deslocou-se para países com mão-de-obra de baixo custo, percebeu que através da cultura consegue-se abordar pontos sociais sensíveis, tais quais a erradicação da pobreza, a educação e a consolidação da cidadania e das políticas de inclusão e diversidade.

Contudo, dentro do escopo maior da sustentabilidade nos meios de produção, é bom lembrar, através de Manzini e Vezzoli, a inexistência de produtos que sejam 100% sustentáveis, esses sempre terão algum tipo de impacto ambiental ou social. Ainda assim, sempre se pode introduzir melhorias partindo das escolhas corretas no projeto, que podem reduzir tais impactos. Para uma marca de roupa, carros, decoração e até mesmo de geladeiras poder diferenciar-se no mercado, a empresa necessita produzir internamente uma cultura de produção que busque adequar suas coleções aos valores emergentes, e tudo isso pensando na melhor aparência possível, pois esses produtos trazem compensações simbólicas também. Eu fiquei curiosa sobre o guarda-roupa da vizinha que comprou a geladeira vermelha. Para tal empreendimento, se requer que o designer desenvolva uma cultura com base sistêmica no âmbito mercadológico e produtivo, criando uma melhor afinidade entre os produtos ofertados e os anseios de seus consumidores.

Entretanto, para fornecer produtos que atendam às necessidades de consumo sem agredir o meio ambiente é preciso uma boa dose de criatividade e de um design orientado para a inovação e a sustentabilidade, desenvolvendo produtos lindos, preferencialmente com baixo uso de materiais e energia, dentro de um sistema regenerativo onde até uma geladeira usada e aparentemente “fora de moda” possa ganhar vida nova com um simples revestimento em jeans metálico baseado num design de superfície avançado. Ao invés de jogar fora um produto que sofreu obsolescência estética (mas não funcional), o design regenerativo aponta para soluções tecnológicas e criativas, com minimização de impactos e maximização de satisfação.

Et voilá, sua geladeira está novamente na “última moda”. Mas não se detenha tanto nisso, afinal, sai o jeans, entra o paetê....:)

*Pantone é uma empresa americana mundialmente conhecida por seu sistema de cores, largamente utilizado na indústria gráfica, automotiva, decoração, moda, etc.

Autores consultados: John Elkington, Manzini e Vezzolli, Jon Hawkes.

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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