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Madeleine Muller

Pandemia e mudança de hábitos: novos cenários para velhos comportamentos

Madeleine muller comenta as reviravoltas que o mundo deu nos últimos meses

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Após passarmos por esse período de confinamento, ou algo próximo disso, dependendo da região e do grau de conscientização da população envolvida, a essas alturas todo mundo já tem uma opinião formada sobre alguma coisa que descobriu durante a pandemia, como novos hábitos ou talentos que passaram a desenvolver, além de reflexões sobre si próprias, sobre os outros e sobre o mundo que gostariam de habitar. Aprendemos em lives com doutores em tudo, de medicina à economia, passando pela moda e o racismo estrutural, temas que bombaram recentemente, dentre tantos. Muito se falou, debateu, polemizou e até se denunciou nos últimos dias, com ou sem conhecimento de causa, estando ou não no lugar de fala, mas certo mesmo é que nunca o Instagram esteve tão movimentado e com tantas vozes se fazendo ouvir, trazendo questões importantes. Cruciais até.

Em alguns momentos, tentaram silenciar algumas, como aconteceu com o perfil Moda Racista, misteriosamente apagado na semana passada, após denúncias dos incomodados. Especificamente de um, mas muita gente vestiu o chapéu.  Marcas de moda brasileiras e designers reconhecidos foram expostos e tiveram de se explicar, coisa não muito comum no meio da moda, onde quase sempre se “abafa o caso” protegendo os poderosos e garantindo a continuidade dessas práticas. Não se pode aceitar a omissão de produtores, agentes ou agências de modelo quando percebem algo errado e não tomam qualquer atitude, para que ninguém “se queime” ou perca o próximo trabalho. Algumas agências não querem perder “o cliente”, só que seus clientes, na verdade, são os modelos. Sem os modelos, elas não têm trabalho no mercado, perdem sua razão de ser. Não são todas, é claro, estamos expondo aqui os fatos que acontecem mesmo quando ninguém quer falar sobre o assunto.

Como produtora, tive de sair inúmeras vezes em defesa dos modelos e de seus direitos mais básicos em um trabalho, como alimentação e número de horas trabalhadas. Algumas marcas ou estilistas destratavam a equipe inteira, modelos, produtores e camareiras sem o menor constrangimento, porque sabiam que ninguém falaria nada. Costumava-se suportar alguns assédios sutis, não chegava a maus tratos. Calava-se. Por medo. Por falta de apoio. Pelas contas a pagar. Por se sentir impotente para mudar o mercado sozinho. Felizmente, não estamos sozinhos, e quando muitos se reúnem por uma causa em comum, ela começa como uma marola mas pode virar um tsunami. Vimos isso acontecer com o recente #blacklivesmatter. E não foi a primeira vez.

Vimos também a Renner pedir desculpas publicamente com um vídeo gravado sobre o episódio do rapaz que levou um tapa na cara numa das lojas da rede, em Brasília, e o segurança, assistindo a tudo, não fez nada. No início, fiquei bastante incomodada quando vi a breve resposta da Renner, de forma genérica, sobre o ocorrido, mas no dia seguinte, pela avalanche de consumidores exigindo nas redes sociais uma posição mais efetiva, a Renner assumiu que poderia ter feito melhor, e se desculpou.

Grandes marcas se voltam para a economia circular

E já que estamos falando em tomada de atitudes, agora de volta ao terreno da sustentabilidade e da economia circular, marcas como Stella McCartney, Burberry, H&M, o grupo Inditex (Zara), L’Oréal, Condé Nast e Nestlé, além de várias marcas e governos, incluindo a Prefeitura de São Paulo, assinaram uma declaração de compromisso criada pela Fundação Ellen MacArthur, referência em sustentabilidade, para tornar a economia circular. Ora vejam, grandes players do mercado tentando melhorar suas práticas. Alguns talvez precisem mudar o modelo de negócio, mas já é um começo, se não ficar só no compromisso. Precisamos de ações efetivas!

A declaração, publicada no “Financial Times“, surgiu da necessidade de se construir uma nova economia após a pandemia do Covid-19, sem perder de vista a solução para velhos problemas como a poluição e as mudanças climáticas. Na economia circular, o objetivo é reduzir e eliminar a poluição e resíduos do processo produtivo, como o plástico por exemplo, além de prolongar a vida dos produtos e regenerar os ecossistemas.

Outro objetivo importante é o maior uso de fontes de energia renováveis, numa economia que seja “diversa, distributiva e inclusiva em vez de extrativa e poluente”, conforme Ellen MacArthur, criadora da fundação. Em relação à moda, o pacto quer garantir que as roupas sejam feitas com materiais mais seguros e renováveis, e que possam ser usadas mais vezes, com customização ou não. As empresas signatárias se comprometem a encontrar um novo modelo econômico pós-pandemia, que leve em conta os problemas ambientais e sociais. Desafios, aliás, não faltam. Mas também não faltam iniciativas e vozes buscando mudanças positivas para o mercado da moda como um todo. Que sejam ouvidas!

 

por Madeleine Muller

Madeleine Muller é produtora, professora no curso de Design de Moda da ESPM, stylist e mãe da Alexia e do André. Pesquisa o consumo consciente da moda e é autora do livro Admirável Moda Sustentável. Escreve quinzenalmente para o Bella Mais. Acompanhe seu dia a dia pelo Insta: @Madi_muller


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