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Férias das crianças: atividades pedagógicas ou de recreação?

Pedagoga reforça que as férias existem para que as pessoas descansem – e essa regra vale para as crianças

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Chegamos ao fim do semestre e, com ele, também começam as férias de inverno das crianças. Como muitas famílias não contam com uma rede de apoio próxima, que possa cuidar das crianças enquanto as escolas estão fechadas, elas acabam buscando por lugares alternativos para deixar os pequenos. E nesse momento surge a dúvida: devo deixar meu filho em um local que promova atividades pedagógicas que desenvolvam suas habilidades, ou em um espaço de criação e brincadeira?

Segundo a pedagoga e professora da Universidade La Salle Gabriela Venturini, não há um "melhor espaço”. Ela recomenda que se pense na individualidade de cada criança e que, a partir disso, se opte por ambientes que sejam acolhedores e seguros para os pequenos e suas famílias.

Férias existem para que as pessoas descansem 

Gabriela, que é doutoranda em Educação e professora da educação infantil e dos anos iniciais há 16 anos, reforça que se há uma pausa no calendário das escolas entre os dois semestres é porque ela se faz necessária. “Acredito que precisamos descontinuar, como sociedade, a ideia de colocar as crianças em constante ato de produção. Construímos um raso entendimento de que as crianças precisam se desenvolver desde muito cedo, precisam ser estimuladas, precisam exercitar habilidades”, comenta. 

A pedagoga lembra que, de fato, a primeira infância é uma fase crucial para o desenvolvimento humano integral, o que inclui seu emocional, cognitivo, social e biológico. “Contudo, os estudos atuais da pedagogia da infância explicam que o que mais as crianças precisam é tempo de qualidade para brincar e atenção de qualidade por partes dos adultos que convivem com ela”, afirma.

Pais e professores precisam saber seu papel 

Outro ponto importante lembrado por Gabriela é a necessidade de termos clareza de que escola e casa são espaços diferentes e não podem ser colocados como sinônimos. “Pais não são professores e professores não são pais”, salienta, ressaltando que os papéis devem estar delineados e ser executados com profissionalismo, no caso das escolas, e conforme couber, por parte dos pais. 

“É a escola que tem o papel pedagógico de desenvolver as atividades que irão estimular as crianças a aprenderem de diversas formas. Em casa, elas precisam viver aquilo que faz parte da vida: brincar (muito), descansar, sentir prazer, partilhar as alegrias e tristezas, conversar, ajudar nas tarefas do lar, receber e visitar pessoas queridas, executar algum hobby que seja da família, enfim sentir-se segura, amada e tranquila”, lista, enfatizando que os dias de recesso são oportunos para isso.

Ou seja, a dica para os pais é clara: é preciso deixar as crianças brincarem muito e com liberdade. “Isso não quer dizer fazer qualquer coisa de qualquer jeito. Quer dizer que a criança vai escolher o que deseja usar, organizar a brincadeira e organizar a bagunça. Ela vai fazer barulho, porque ele faz parte de uma infância saudável”, explica. Segundo Gabriela, o adulto pode e deve fazer acordos com a criança, de acordo sua faixa etária, sobre o tempo e o espaço da brincadeira, assim como construir, junto com a criança, regras que sejam necessárias e importantes de acordo com cada família.

Quando a criança brinca, ela se relaciona com o mundo dela e com o mundo social. “Brincar é desenvolvimento integral e saudável. Ao se envolverem no jogo simbólico – ou seja, criar brincadeiras de faz-de-conta, imitar personagens, construir cenários, envolver-se em algo que só há na sua imaginação - os pequenos desenvolvem infinitas habilidades, entre as quais Gabriela destaca:

Segurança, 

Capacidade de pensar, 

Capacidade de se concentrar, 

Aprender a fazer escolhas, 

Desenvolver saúde mental,

Se relacionar com o outro; 

Estar sozinhos consigo de forma saudável.

Em relação às atividades pedagógicas, a pedagoga ressalta quem nem tudo é o que parece. “O senso comum chama de “pedagógicas” atividades como pintar desenhos prontos de livros com imagens estereotipadas, mas estas propostas não contribuem para a formação de uma criança, apenas diminui sua capacidade de criar e se relacionar com seus pensamentos”, critica, reforçando que atividades pedagógicas coerentes são pensadas por profissionais da educação, professores, que estudaram para planejar propostas de acordo com cada faixa etária e com as necessidades e interesses de cada estudante.

Atividades pedagógicas devem ser propostas pela escola

Crianças de 0 a 5 anos e 11 meses estão na etapa da educação infantil e, segundo a pedagoga, precisam viver ainda mais intensamente a brincadeira ter tempo livre. “Elas precisam de tempo para, como comentei antes, se equiparem e construírem suas narrativas de vida, o que acontece por meio da brincadeira”, reforça.

Se a família deseja proporcionar um momento diferente com seu filho em casa, há uma série de possibilidades para atender a cada faixa etária, como jogos de quebra-cabeças e memória (a partir dos 2 anos); dominó e quebra-cabeças com mais peças (a partir dos 3); jogos de tabuleiro, de cartas (a partir dos 4 ou 5 anos). Mas atenção: este será um momento em família, de diversão, e não uma atividade – como as da escola. 

Folhas, canetinhas, tintas, tesoura, cola, são recursos que podem divertir crianças de qualquer faixa etária, mas elas que devem manifestar o interesse em usá-lo, assim como o que fazer com esses recursos também será decidido por ela. E dá para ir além na diversão, fazendo cabaninhas, contação de histórias, assistir a filmes... Desde que sempre de maneira tranquila e sem a necessidade de desenvolver algo.

Gabriela conclui ressaltando que o ponto central é entendermos que as crianças são seres em desenvolvimento, mas que não precisam do adulto fazendo isso por elas a todo tempo. Cada adulto – pais, avós, educadores – tem o seu papel e colabora de alguma forma com a formação desse indivíduo. Cabe a cada um assumir a responsabilidade pelo que lhe cabe, sem tentar se apropriar do que o outro deveria estar fazendo.


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