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Como ajudar as crianças na aprendizagem pós-pandemia

Os pequenos precisam de atenção, tempo e compreensão para desenvolver o aprendizado perdido nos dois anos de ensino remoto

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Certamente você lembra bem: em março de 2020 tudo parou, inclusive a escola das crianças. Fora das salas de aula presenciais, os pequenos tiveram que se adaptar a um novo formato de aulas, à distância, seja pelo celular ou computador. Dois anos depois, eles voltaram para a sala de aula. Mas, em que condições? 

Muitos pais têm comentado sobre as dificuldades de aprendizagem causadas pela pandemia, pois agora os filhos estão na sala de aula presencial e qualquer déficit fica mais visível do que quando as aulas e a relação com os professores são mediadas por telas.

Perdas se estenderam a aspectos como atenção e convivência

A pedagoga com doutorado em Educação Lucia Hugo Uczak, que é professora no curso de Pedagogia da Universidade Feevale, acompanhou alunos em seus estágios em turmas das séries iniciais do ensino fundamental em escolas públicas de cidades no entorno do Vale do Sinos, e traz vários insights do que observou nas crianças e dos relatos dos estagiários.

“Houve grandes perdas, aprendizagens que as crianças não realizaram. Mas não houve prejuízos apenas nos aspectos de conteúdo. Percebemos uma dificuldade de concentração em todas as turmas, do 1º a 5º ano do Ensino Fundamental, uma grande agitação e falta de concentração. As crianças não param para ler a ordem de um exercício, até parece falta de compreensão, mas, na verdade, é desatenção, a criança não leu”, explica.

Além disso, houve perdas em relação às questões de convivência, resultando em crianças com menos tolerância e costume de respeitar normas - que não sabem ou não querem esperar a sua vez nas atividades, por exemplo. “A ansiedade dos adultos foi transmitida para as crianças”, afirma. 

Pressão é comum nas escolas e na família

Mas o que chama a atenção da pedagoga é como as pessoas lidam com isso, tanto as famílias quanto as escolas, pois se percebe uma grande pressão: se cobra resultado quantitativo de conteúdo dos alunos e isso recai sobre as crianças e suas famílias. Porém, como frisa Lucia, a menor preocupação agora deve ser fazer a relação entre o ano que a criança está cursando e o conteúdo previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). 

“Nos anos iniciais, temos muitos alunos que tiveram os dois primeiros anos da alfabetização online e sofreram perdas imensas. Tem alunos do 3º ano, por exemplo, que deveriam estar consolidando a alfabetização, mas que, na prática, não saíram da fase silábica. Ainda não formam palavras”, relata. E isso não pode ser considerado como dificuldade e sim, como consequência do trabalho realizado, o possível naquele momento. 

É por isso que o foco dos professores deve ser o conteúdo, mas a partir do estágio que elas estão. Para a pedagoga, o procedimento ideal é fazer avaliações diagnósticas para identificar o que a criança já sabe e trabalhar a partir daí.

Como os pais podem ajudar no aprendizado das crianças

Preocupada com o desenvolvimento dos estudantes, principalmente das séries iniciais, Lucia lista boas práticas que podem ser adotadas não só pelos pais, mas também pelos professores, para ajudar as crianças a evoluírem seu aprendizado. São elas:

- Pais e professores não devem dizer às crianças que elas estão com dificuldades, pois isso pode se tornar um impeditivo maior por causar a ideia de que “tenho dificuldade, não vou conseguir, então nem vou tentar”. 

- É preciso entender que houve perdas de aprendizagem que precisam ser desenvolvidas e que as crianças vão aprender a partir do momento em que pararam.

- Os pais não devem se culpar pelas perdas. As famílias fizeram o que puderam com os recursos que tinham. Enquanto algumas conseguiram promover a aprendizagem e ajudaram os pequenos a avançar mais, outras não tiveram as mesmas condições e oportunidades. O fundamental agora é focar na criança. 

- Da mesma forma, todos devem ter claro que a pandemia impactou, abalou e desestabilizou, e que cada família reagiu de um jeito a isso, o que não é motivo para culpa.

- No dia a dia, os pais podem promover momentos em família para instigar a curiosidade e o raciocínio das crianças. Podem ser desafios com jogos de perguntas, de tabuleiro, atividades da faixa etária da criança que instiguem a aprendizagem. O dominó, por exemplo: a família pode jogar e, depois brincar com os números, fazer contas.

- A leitura de histórias infantis também é uma atividade que precisa ser incentivada. Os pais podem contar a história pros filhos, ou um conta pro outro, cada um interpreta um personagem, inventa um final diferente. O importante é promover o gosto pela leitura, e, assim, a apropriação da leitura e da escrita serão consequências dessas atividades.

- Os professores precisam orientar os pais para eles poderem ouvir, acolher e entender a ansiedade das crianças. E os pais precisam conversar com seus filhos, dar atenção e carinho, reforçar que a aprendizagem vai acontecer. Ao trabalhar com a autoestima, se abrem as possibilidades para aprender.

- Não se deve pressionar as crianças nem comparar entre colegas de turma. A aprendizagem tem um tempo para acontecer, então não adianta tentar acelerar. Para aprender ela precisa passar por estágios que devem ser respeitados: apropriação, desenvolvimento do raciocínio, teste das hipóteses.

Para concluir, Lucia reforça que a indiferença não ajuda ninguém a aprender. “Crianças são seres humanos em formação que precisam de um ambiente de confiança, diálogo e acolhimento. E elas percebem tudo isso no comportamento dos adultos, no tom de voz, postura, olhar, nos silêncios. É tempo de acolher as crianças”, reforça a pedagoga. 


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