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Homeschooling pode virar lei no Estado; como funciona a educação domiciliar?

Se for aprovado não significa o fim das escolas tradicionais e a adesão ficará a critério das famílias

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Um tema que gera divergências entre profissionais da educação, pais e responsáveis pelo ensino de crianças e adolescentes, o homeschooling, foi aprovado, no dia 08 de junho, pelos deputados na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O projeto que autoriza a educação domiciliar sob tutela dos pais e responsáveis, recebeu 28 votos a favor e 21 contra, e agora aguarda avaliação do governador Eduardo Leite, que decide se irá sancionar ou vetar até 1º de julho.

Ensino domiciliar

Na prática, de acordo com o projeto, pais e responsáveis passam a ter total liberdade para definir entre o ensino escolar ou domiciliar. Eles deverão comunicar a escolha à Secretaria da Educação do município onde residem. A supervisão e fiscalização do método ficará sob a responsabilidade das secretarias municipal e estadual de Educação e do Conselho Tutelar. 

O que pensam pais e educadores?

Para a coordenadora do curso de Pedagogia da Universidade La Salle, Hildegard Jung, o convívio no ambiente escolar é fundamental para o desenvolvimento da socialização da criança. 

“O primeiro ambiente que a criança tem acesso é o familiar. Porém, é na escola que acontece a aprendizagem e o desenvolvimento da socialização. Aceitar o outro, viver com o diferente e até mesmo com as frustrações, que são necessárias. O círculo familiar nem sempre vai conseguir trazer todos estes elementos”, explica.

A professora defende que os benefícios do ambiente escolar ultrapassam os ensinamentos da sala de aula. “A própria pandemia tem nos mostrado o quanto muitas crianças estão tristes por não poderem ir à escola. Questões como escuta, pensamento crítico e criatividade somente são desenvolvidas a partir da socialização”, aponta Hildegard.

Por outro lado, algumas famílias comemoram a possível regulamentação do homeschooling, pois apostam na metodologia para a educação dos filhos. É o caso da empresária Rejane Toigo, mãe de Vicenzo, de 15 anos. 

Desde a infância, a família já entendia que as escolas da cidade onde moram (Garopaba, em Santa Catarina) não atendiam todos os recursos que eles gostariam para a educação de Vicenzo. “Ele é atleta desde os seis anos e participa de competições. Uma das dificuldades que encontrávamos na escola era recuperar as aulas perdidas quando viajava para competir - muitas vezes ele passava semanas fora. A escola sempre se posicionou contra ele faltar aulas por conta disso. Essa mentalidade nos intrigava, pois investimos na carreira esportiva dele desde sempre”, relata Rejane.

Interação social

Quando Vicenzo estava cursando a quinta série, a família fez a primeira tentativa de aderir ao homeschooling. “Fomos a um congresso sobre o tema no Rio de Janeiro e começamos a estudar o assunto. Nos preparamos com outras quatro famílias aqui da cidade. Porém, naquela época, quando Vicenzo se deu conta que teria aula somente na casa dos outros quatro colegas, disse que preferia ir para a escola encontrar todos. Então abandonamos a ideia por essa necessidade social dele”, conta a empresária. 

Hildegard reforça que os reflexos dessa falta de socialização são percebidos no futuro. “Um dos maiores problemas do mercado de trabalho é a dificuldade de trabalhar em grupo e encontrar soluções criativas. Como se aprende isso? Também vemos muitas pessoas com dificuldades de falar em público, por exemplo, ou aceitar a opinião do outro. Durante a vida adulta, é muito mais difícil desenvolver estas habilidades”.

O homeschooling na prática

Quando Lorenzo chegou à sétima série, os problemas com a escola voltaram a aparecer. “Ele tinha 12 anos, já ganhava premiações em dinheiro por conta dos campeonatos. Tinha outra cabeça devido aos esportes e as viagens, pois ficamos um tempo fora do Brasil. Ele teve um amadurecimento muito grande neste período. E começou a entrar numa rivalidade com a escola que não era saudável para nenhum dos lados”, retrata.

Em 2019, na oitava série, após um pedido de Vicenzo, veio a decisão da retirada do adolescente da escola. Como ainda não há um método regulamentado para avaliação e acompanhamento do desenvolvimento dos alunos, a família se questionou de que forma seria a dinâmica. “Foi então que ele me perguntou se poderia trabalhar comigo, na minha agência de marketing. E eu aceitei. De lá pra cá ele tem estudado as matérias que ele gosta. Tem coisas que ele não estudou ainda, que na escola ele já teria tido contato, mas ele estuda as coisas que ele gosta e ele produz. Então ele ganha o dinheiro dele, trabalhando comigo - hoje se tornou copywriter, então escreve textos publicitários e de anúncios, tudo sob supervisão minha e da minha equipe”, descreve Rejane.

Rejane acredita que o homeschooling vai beneficiar famílias que têm o genuíno interesse no desenvolvimento das suas crianças, querem participar e fazer mais do que a escola pode oferecer. 

A pedagoga Hildegard Jung, orienta que antes de tomar qualquer decisão os pais pesquisem sobre o tema, consultem especialistas na área da educação e pessoas com experiência. “Leiam, estudem, se informem. Quando se está lidando com o futuro dos filhos, sempre se quer o melhor, mas nem sempre as decisões são assertivas”, indica.

Por fim, a empresária Rejane destaca que o homeschooling é uma questão de liberdade individual e de desenvolvimento social. “Eu fico muito impressionada com pessoas que dizem que são contra o homeschooling. Se é contra, é só não fazer. Não é algo que é obrigado ou que as famílias tenham que fazer. Apenas vai permitir aquelas que querem se responsabilizar pela educação dos seus filhos, porque querem dar o melhor, mais do que a escola pode oferecer. Vai dar essa oportunidade às famílias. Eu acho que isso é cidadania, dignidade e isso é necessário”, finaliza. 

por Mariana Nunes

Mariana Nunes é jornalista. Ama café, praia, chocolate e futebol - não necessariamente nessa ordem. É torcedora fervorosa do Internacional e repórter do Bella Mais. @a_marinunes


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