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Casais que não moram juntos: é possível dar certo?

Fora do Brasil, movimento é conhecido como Living Apart Together ou “vivendo juntos separadamente”, em português

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Você já pensou em viver junto com alguém, mas sem, necessariamente, dividir a mesma casa? É isso que propõe o movimento Living Apart Together (LAT), que pode ser traduzido para o português como “vivendo juntos separadamente”. A primeira menção a este tipo de relação foi feita em 1978, na Holanda, pelo jornalista Michel Berkiel. 

Essa espécie de “casamento a distância” pode até soar como uma novidade para alguns, porém, vem se popularizando entre os casais nos últimos anos, o que, para a psicóloga e terapeuta de casais Fernanda Vaz Hartmann, é um reflexo das próprias mudanças da sociedade.

“As questões de igualdade de gênero, por exemplo, que têm promovido a independência financeira e a autonomia das pessoas, permitem que elas optem por arranjos que estão menos associados à dependência e às definições sociais tradicionais. O casamento, na contemporaneidade, tem como marca a valorização do espaço individual e da autonomia, promovendo novos arranjos relacionais”, ressalta a especialista.

Busca por flexibilidade tem motivado casais 

A escolha por esse tipo de relacionamento varia muito conforme o perfil do casal, suas expectativas e experiências anteriores, mas em geral, quem opta por esse arranjo relacional está em busca de flexibilidade. 

Fernanda explica que entre os casais jovens, por exemplo, a adoção do LAT se dá, principalmente, porque ambas as partes estão focadas nos seus desafios e conquistas individuais e não se sentem prontos para abrir mão de seu espaço pessoal. Fazem parte desse grupo ainda, jovens que não desejam ter filhos.  

Entre os casais mais maduros, formados por pessoas de meia-idade, observa-se, segundo Fernanda, que muitos já viveram uniões anteriores. Ou seja, já passaram pela experiência de viver sob o mesmo teto que o parceiro(a). Além disso, há também aqueles que possuem filhos ou que assumem o cuidado de familiares, e entendem o Living Apart Together como uma forma de preservar os companheiros destes compromissos.

“Desta forma, entende-se que esta pode ser uma opção útil nas famílias reconstituídas, que receiam o contato diário entre padrastos ou madrastas e enteados. Assim, evita- se também a responsabilidade de ter que cuidar dos familiares do cônjuge. Também é comum entre os divorciados, a crença de que a rotina pode estragar o amor, optando por não voltar a ‘cometer o mesmo erro’”, esclarece a psicóloga.

Outro aspecto salientado por casais que optam por este formato, e citado pela profissional, é que há um aumento do engajamento entre os parceiros, pois a redução do tempo de convivência diária oferece mais qualidade e maior cuidado quando estão juntos, ajudando a diminuir a rotina e a monotonia inerentes a muitos relacionamentos. “Além disso, a preservação da autonomia e da intimidade permite aumentar as expectativas em relação aos encontros e planejar com mais empolgação os momentos a dois”, complementa Fernanda.

E na prática, funciona?

De forma simples e objetiva, sim, o Living Apart Together pode funcionar na prática. De acordo com a terapeuta de casais, não é o formato da relação que garante a saúde da mesma e sim a qualidade da interação conjugal. Entretanto, ela faz uma ressalva: “O fato das pessoas não coabitarem, pode produzir um empobrecimento das trocas afetivas e do nível de intimidade, bem como uma fragilização da identidade conjugal”, pontua.

Fernanda salienta que esse tipo de relacionamento exige uma postura responsável dos envolvidos. É preciso ter consciência das escolhas, disposição para conversar, negociar e tomar decisões sobre o novo modelo interacional que pretendem-se assumir, estabelecendo parâmetros para a conjugalidade a ser formada. Para ela, se o casal tiver clareza da sua identidade conjugal, eles podem estabelecer diferentes formas de se relacionar, de conviver e de coabitar.

O que precisa ser avaliado, para optar por este tipo de relação, é verificar se os valores de autonomia, flexibilidade e individualidade são considerados primordiais. E ainda, se a condição emocional de cada cônjuge permite tolerar o afastamento e as rotinas separadas, sem oferecer significados ruins, de desconfiança, ciúmes, solidão ou qualquer sentido de desvalorização associado ao indivíduo ou ao casamento.

Prós e contras desse formato 

A principal vantagem encontrada pelos casais neste arranjo relacional é a preservação da autonomia e da privacidade. Além disso, eles destacam que o LAT contribui para evitar também possíveis perdas econômicas e materiais, por exemplo. Há ainda o aspecto emocional. Quando se ouve os casais que estão praticando este tipo de relacionamento, o que se escuta são narrativas que descrevem uma relação de compromisso forte e enraizado na fidelidade sexual, no intercâmbio mútuo de apoio, afeto, com uma orientação de longo prazo, na disposição de trabalhar as dificuldades”, destaca Fernanda. 

Ao mesmo tempo, entre as desvantagens, está o julgamento externo, que enxerga esse tipo de relacionamento como “desviante” e sem compromisso e também os problemas que podem ser desencadeados caso a decisão de optar pelo LAT não seja de ambos os parceiros. Por isso, conforme alerta a terapeuta, se faz muito importante verificar se a adoção desse formato relacional é de comum acordo e não de um dos cônjuges cedendo ao outro, o que pode acabar trazendo insatisfação ou sentimentos de insegurança.

“A liberdade de optar por diferentes arranjos conjugais certamente é um avanço em termos de sociedade, mas é importante dizer, que estar distante dos paradigmas, do regramento social tradicional, exige mais maturidade emocional dos indivíduos e maior capacidade de comunicação entre os cônjuges. Construir um novo formato de relacionamento implica em uma maior abertura para o diálogo e discussão”, complementa.

por Vitória Nunes Soares

Como boa repórter, está sempre pronta para aprender sobre todas as coisas. Tem estilo low profile, ou seja, é meio sumida das redes sociais pois prefere viver.


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