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As relações familiares podem ser tóxicas?

Parecidas com as abusivas, a relações tóxicas são aquelas em que há mal-estar psicológico

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Quando falamos em relacionamentos tóxicos, logo pensamos nos relacionamentos amorosos. Realmente, não são raros os casos em que casais terminam por conta de comportamentos nocivos de algum dos parceiros. Mas você já parou para pensar que essa “toxicidade” pode estar também em outros ambientes sociais como o profissional, as amizades e até mesmo na família?

Tóxico x abusivo

A psicóloga Fernanda Vaz Hartmann explica que é importante entender a diferença entre relações tóxicas e abusivas. “A primeira é dominada pelo campo psicológico, enquanto a segunda pode evoluir para o campo físico. Relações tóxicas são aquelas  em que um indivíduo provoca mal-estar no outro, desconforto, relações tomadas por críticas, insultos, desprezo, xingamento, ridicularização e até intimidação”, esclarece.

Toda a relação abusiva é tóxica; mas o contrário não é verdadeiro. “A relação abusiva se caracteriza pela dominação e controle do outro, enquanto, nas tóxicas, é comum o indivíduo hostil não ter consciência que está gerando mal ao outro. Já na primeira situação, tudo é muito planejado e premeditado”, comenta Fernanda. 

Geralmente a pessoa tóxica é um indivíduo “de mal com a vida”, extremamente crítico e julgador, que reclama de tudo e de todos. “A grande maioria age sem perceber e se surpreende quando é alertado sobre o dano que causa no outro. Entretanto, nem sempre a tomada de consciência lhe permite mudar de atitude, porque já estruturou sua personalidade na base do pessimismo, da criticidade e infelicidade”, aponta a psicóloga.

Vale lembrar que todos nós podemos agir de forma tóxica em algum momento nas nossas relações, mas o que vai determinar se a relação se tornou tóxica é justamente a intensidade e frequência deste tipo de interação e o dano causado na outra pessoa. “As relações tóxicas podem ocorrer em qualquer contexto, elas se expandem para além das relações conjugais (onde as relações abusivas se encontram com frequência); podem ocorrer nas relações de amizade, familiares e também profissionais”, acrescenta.

Como identificar?

E como saber que estou em uma relação tóxica? Nem sempre é fácil. De acordo com Fernanda, elas são mais difíceis de ser identificadas do que as abusivas, pois o grau de dano que gera no outro e a intensidade das condutas negativas são menores e, muitas vezes, pode estar podem estar sustentadas por regras sociais que impedem o indivíduo de avaliar a sua inadequação.

“Por exemplo, é natural que um chefe faça alguma crítica em relação a uma tarefa, mas esta crítica não precisa desqualificar o outro ou criar adjetivos negativos  associados à pessoa. Da mesma forma, os pais precisam educar os seus filhos, mas as estratégias educativas não devem incluir ameaças ou sentimentos de menos valia no filho”, explica Fernanda. 

A melhor forma de identificar que se está numa relação tóxica é constatar o mal estar que ela gerou e o quanto foi contaminado pelo outro. Por isso, é utilizado o termo “tóxico”. “As críticas, julgamentos ou mesmo pessimismo que surgem da outra pessoa geram um novo estado no indivíduo; geralmente lhe roubando a energia positiva e o desejo de investir. A pessoa fica abalada emocionalmente, o que gera confusão e insegurança sobre os seus pensamentos e atitudes”, aponta a profissional.

Ambiente familiar

As relações tóxicas na família infelizmente são mais comuns do que pensamos. “São muito presentes nas famílias que chamamos de aglutinadas, ou seja, que não possuem fronteiras nítidas entre os membros, onde o espaço individual  não é respeitado, e se faz necessária a aprovação dos demais para o indivíduo se permitir tomar decisões sobre a sua vida”, destaca Fernanda.

De acordo com a profissional, também é possível identificar que famílias tóxicas têm muitas dificuldades de comunicação, tanto no que diz respeito à capacidade de escutar o outro como na habilidade de eleger modos de interlocução que não gerem opressão, sentimento de menos valia ou ameaça no outro. 

“As famílias com dificuldade de comunicação transitam entre brigas e não falam sobre o que está acontecendo, justamente porque não confiam na capacidade de se escutarem e de evoluir para uma conversa produtiva”, aponta a profissional.

Outro ponto a destacar é a dificuldade de estabelecer vínculos afetivos saudáveis, que podem se manifestar pela super proteção ou pela negligência; ou ainda pela manipulação emotiva (chantagem emocional). “Ainda podemos falar sobre a tendência a estabelecer padrões rígidos de interação, não se abrindo para mudanças necessárias para acompanhar o crescimento dos filhos. É muito comum receber no consultório pais de adolescentes utilizando estratégias educativas típicas de famílias com filhos pequenos, e não se dão conta que devem ampliar e até modificar o seu repertório para dar conta das novas demandas do filho jovem”, complementa.

Outra disfunção bastante atual é a inversão de papéis, que é chamada de “filharcado” (filhos mandam e pais obedecem) em que os responsáveis oferecem uma percepção equivocada do mundo, no sentido de acreditar que tudo pode ser como o filho quer.

por Mariana Nunes

Mariana Nunes é jornalista. Ama café, praia, chocolate e futebol - não necessariamente nessa ordem. É torcedora fervorosa do Internacional e repórter do Bella Mais. @a_marinunes


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