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Como lidar com a solidão no isolamento social?

Pesquisa mostra que brasileiros são as pessoas que se sentem mais solitárias no mundo nessa pandemia

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Um estudo da Ipsos, que contou com a participação de 28 países, apontou que o Brasil é o local onde as pessoas mais se sentem solitárias. Segundo os números da pesquisa, 50% dos que responderam têm essa sensação. Além disso, para 52% dos participantes brasileiros, a pandemia intensificou o sentimento de solidão e 46% apontaram que percebem reflexos negativos na saúde mental.

Conforme explica a psicóloga Simone Grohs, o sentimento de solidão já era uma epidemia antes mesmo da covid-19, em decorrência do consumismo, da superficialidade, da preocupação com aparência e ausência de conexão emocional autêntica entre as pessoas. Podemos ter muitos contatos nas redes sociais, mas não necessariamente pessoas que podemos contar, que façam parte de uma rede de amparo, que seja um relacionamento mais profundo. “A conexão meramente digital, na qual os contatos e trocas são superficiais, somente para manter uma imagem, para impressionar as outras pessoas, aumenta a sensação de vazio e consequentemente, de solidão e desamparo”, aponta.

Somos seres sociais

Ela ainda destaca que o ser humano é essencialmente social, vive melhor em grupo, na companhia de outros seres humanos. Estabelecer conexões positivas é uma necessidade biológica tanto quanto de alimento, água e descanso. “Da mesma forma que temos fome e sede, a solidão é um sinal de que estamos sentindo falta de estabelecer conexões profundas, que sejam percebidas como uma rede de amparo, de cuidado – nessa condição, o cérebro dispara neurotransmissores específicos para buscar um contato significativo. Resumindo, a qualidade e a intimidade das relações sociais são preditores críticos de felicidade e bem-estar”, explica Simone.

E o distanciamento social, necessário durante a pandemia, pode estar relacionado ao aumento do sentimento de solidão e aos sintomas de estresse negativo, com efeitos danosos sobre a saúde física e mental, em função do afastamento dos diferentes grupos aos quais as pessoas pertenciam, principalmente no trabalho. O ser humano tem como necessidade básica essencial o senso de pertencer a um grupo, e o isolamento teve um impacto significativo nesse sentido. 

“Essa condição coloca o nosso corpo em estado de alerta, que persistente, desencadeia os sintomas de estresse. Precisamos lembrar, porém, que muitas pessoas aproveitaram o fato de estar mais tempo em casa para fortalecer o vínculo com as pessoas mais próximas. Logo, o isolamento social pode ter algum impacto, mas a percepção que a pessoa tem desse impacto, é que tem um papel fundamental no enfrentamento da solidão”, aponta a psicóloga. 

Solidões diferentes para cada pessoa

A solidão é caracterizada por uma lacuna percebida entre si e os outros: embora muitos indivíduos solitários mantenham múltiplas relações sociais, eles ainda experimentam solidão por causa da percepção de que estão desconectados uns dos outros. Mas, as percepções que cada pessoa tem da experiência de solidão é única, como todas as experiências que temos. “O ser humano é um ser biopsicossocial, ou seja, as informações sensoriais selecionadas do meio externo, dependerão, não somente do sistema sensorial e sua fisiologia, mas também do repertório pessoal – das experiências vividas, da educação de casa, da escola, da cultura e da sociedade na qual o indivíduo está inserido”, explica Simone.

Dessa forma, os conceitos que a pessoa tem sobre o mundo, sobre si e seu comportamento, sobre estar só, dependem desses filtros e influências do meio, interferindo no seu equilíbrio. “Uma pessoa pode viver sozinha e não se sentir só, e outra viver com muitas pessoas e ter o sentimento de solidão”, aponta a profissional.

Quando precisamos procurar ajuda?

E quando saber que a solidão se tornou um problema que precisa de atenção? Segundo Simone, é preciso ficar atento aos sinais. Quando sentimos que não temos amparo, uma rede de apoio, quando temos o senso de pertencimento abalado, independente de estarmos sós ou acompanhados. “É um problema quando as pessoas sentem que não têm conexão autêntica com outras, que não têm com quem contar; quando começam a apresentar sintomas recorrentes de estresse crônico, de ansiedade, depressão, problemas no sono, na alimentação, dentre outros”, comenta.

Essas condições persistentes também aumentam a irritabilidade, reduzem a empatia e comprometem a saúde das relações. Esses sinais precisam ser observados. “Estudos indicam que as pessoas que sentem solidão com frequência podem ter problemas de saúde - o equivalente a fumar 15 cigarros por dia, por exemplo. Parece existir uma associação entre o sentimento de solidão a negligência com os cuidados pessoais, a problemas relacionados ao estresse crônico, cardiovasculares e psiquiátricos”, explica a profissional.

Cultive a solitude, não a solidão

Simone sugere que as pessoas revisem a ideia de que estar só é sempre negativo. Podemos estar sós, sem sentir desamparo, mas sim cultivar a solitude – o sentimento de ter prazer com a própria companhia, é saber ter momentos para respirar, rever projetos, entrar em contato com as próprias emoções. “A grande maioria das pessoas têm medo de olhar para si, continuam fugindo de si mesmas, trabalham demais,  ficam nas redes sociais sem objetivo. Essas pessoas serão aquelas que tenderão a se sentir desamparadas. Cultivar a solitude exige treino, é preciso começar devagarinho, se a pessoa não está acostumada a conviver consigo”, orienta. 

De acordo com a psicóloga, é bom começar com um tempo reduzido e ir aumentando. Pensar: o que tem de pior na minha companhia? O que tem de melhor? E começar a cultivar as suas melhores qualidades e ter maior aceitação naqueles aspectos que você pode melhorar. “Nesse caso, é importante investir no autoconhecimento. Nos casos em que o sentimento de solidão está se agravando para a sensação de desamparo, e a pessoa não consegue buscar alternativas sozinha, é importante buscar ajuda profissional. O acompanhamento de um profissional terá o papel de fornecer o amparo provisório, até que a pessoa consiga buscar amparo em sua própria rede de apoio”, finaliza.

por Mariana Nunes

Mariana Nunes é jornalista. Ama café, praia, chocolate e futebol - não necessariamente nessa ordem. É torcedora fervorosa do Internacional e repórter do Bella Mais. @a_marinunes


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