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Mãe e também pai: como fica a saúde mental das mulheres que assumem os dois papéis

Realidade comum no Brasil, o acúmulo de funções traz impactos para as mulheres e para as crianças

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Se você não passa por isso, com certeza deve ter alguma mulher próxima do seu ciclo de familiares e pessoas conhecidas que, por conta das mais diversas situações, precisa assumir ao mesmo tempo o papel de mãe e pai dos seus filhos, por conta da ausência da figura paterna na vida da criança.

Infelizmente, essa situação é mais comum do que imaginamos. No Brasil, 53,9 mil crianças não tiveram o pai reconhecido na certidão de nascimento no último ano. Para a psicóloga Patricia Mello, o fato de a mãe ter que assumir dois papéis pode ser resumido em uma palavra: sobrecarga.

“Assumir um papel que não é da pessoa, implica em sobrecarga, independente se a pessoa tem mais ou menos tempo. O que não lhe pertence, vai sempre exigir mais. Uma mulher que tem filhos assume papel de mãe. Ela não tem nenhuma obrigação de cumprir nenhum outro papel para com seu filho além desse”, resume a psicóloga.

Impactos na saúde mental da mulher

Patricia explica que a sobrecarga por si só já promove muitos problemas, principalmente em relação à ansiedade. “Há uma tendência a preocupar-se com muitas coisas, estar sempre com pressa, terminar o dia com a sensação de ‘cabeça cheia’; esse mal estar constante facilmente resulta em uma exaustão”, alerta.

Além disso, é importante lembrar     que a parentalidade implica em desafios inerentes à tarefa e às relações estabelecidas em função dela, como por exemplo: sempre saber onde o filho está, se está seguro, bem agasalhado, se está sofrendo algum tipo de violência, se está conseguindo aprender, se está se sentindo amado e incluído. 

Por fim, ainda há o elemento social que sempre coloca pressão em cima da mulher a respeito de tudo que ela faz e com a parentalidade essa pressão tende a piorar. “Tudo isso gera muita angústia e não ter com quem compartilhar isso promove um senso de solidão”, explica a profissional. 

Com tudo isso, não é difícil imaginar que mulheres nessas situações estão em risco para desenvolver diversos tipos de transtornos ansiosos e depressivos. “Aliás, aquelas que desenvolvem quadros leves são consideradas muito resilientes. Quem realmente consegue sair ileso de tudo isso?”, questiona Patricia. 

E não são só as mulheres que sofrem neste cenário - esta realidade também traz reflexos para a vida das crianças. “Isso é matemática: duas figuras parentais adequadas oferecem mais suporte do que uma. Suporte aqui significa: cuidado, afeto, segurança, senso de pertencimento, validação emocional, reconhecimento”, explica a psicóloga. 

Quando uma criança tem poucas figuras de cuidado como referência, ela se sente menos segura do que se tivesse mais delas à disposição. “Isso implica em ter um senso de apoio mais fragilizado, o que pode trazer problemas emocionais futuros, como ansiedade, depressão, e dificuldade no estabelecimento de relações saudáveis”, complementa. 

Existe uma forma de conciliar?

De acordo com Patricia, é difícil pensar em um meio de conciliar esses papéis. “Talvez possamos pensar em exercer múltiplas funções parentais com pouco sofrimento. Isso por si só já é bastante otimista, uma vez que requer um conjunto de condições que violam leis fundamentais”, defende a profissional. 

Por exemplo: uma mãe que precisa estar no local de trabalho às 8h não tem como levar o filho para a escola, se a aula inicia no mesmo horário. Ninguém pode estar em 2 lugares ao mesmo tempo - isso é uma lei fundamental. “Ou seja, há múltiplas circunstâncias para além do controle da pessoa que impedem que os cuidados elementares sejam atendidos, se a pessoa está sozinha”, relata. 

Para a psicóloga, exercer múltiplos papéis com pouco/médio sofrimento/prejuízo exige, além de sorte nas circunstâncias da vida e rede de apoio, uma boa organização de agenda diária, estabelecimento de rotina, disponibilidade emocional e pacificação íntima. “Abrir mão do perfeccionismo e pedir ajuda podem ser bons recursos para aproximar-se disso. E, considerando que esses itens são bem difíceis de se conseguir, eu sugeriria atenção psicológica, ou seja: psicoterapia”, indica. 

Patricia ainda propõe uma reflexão. Pense no seguinte: uma aeronave sempre tem 2 pilotos e ela opera em segurança em função dessa parceria. Se um desses indivíduos não estiver presente, o avião não decola. Porque? Porque a segurança das pessoas estaria em risco, incluindo a vida do piloto! “Família segue uma lógica parecida: ninguém pode exercer uma função complexa sozinha, sem que haja prejuízo”, finaliza.

por Mariana Nunes

Mariana Nunes é jornalista. Ama café, praia, chocolate e futebol - não necessariamente nessa ordem. É torcedora fervorosa do Internacional e repórter do Bella Mais. @a_marinunes


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