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Aborto espontâneo: as mulheres não precisam sentir essa dor em silêncio

Psicóloga alerta que é preciso viver o luto e vivenciar as dores da perda

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De acordo com um levantamento feito pelo DataSUS, no primeiro semestre de 2020, o número de mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em razão de abortos espontâneos foi 79 vezes maior do que as que realizaram procedimentos de interrupção de gravidez que são previstos em lei. 

Recentemente, a Duquesa de Sussex, Meghan Markle, em artigo escrito para o jornal The New York Times, fez um relato forte e sincero sobre a sua experiência - ela perdeu o seu segundo filho, em julho deste ano, por conta de um aborto espontâneo. “Depois de trocar a fralda (do filho Archie), senti uma cólica forte. Eu me joguei no chão com ele em meus braços, cantarolando uma canção de ninar para nos manter calmos, a melodia alegre em forte contraste com a minha sensação de que algo não estava certo. Eu sabia, enquanto segurava meu primeiro filho, que estava perdendo meu segundo filho”, escreveu ela. 

O relato de Meghan traz a tona uma discussão: por que falar sobre aborto ainda é visto como um tabu na nossa sociedade? “Falar sobre a perda de um filho ainda durante a gestação é um assunto difícil pois as pessoas não querem, não estão preparadas para ouvir aquela mãe e muitas vezes dão pouco valor ou não entendem o sofrimento que esta mulher está passando”, opina a psicóloga Jucieli Gomes. “É muito importante que as mulheres que sofreram com a perda possam falar e elaborar seu sofrimento”, complementa.

A profissional explica que, falar sobre o assunto é uma forma de “elaborar a dor”. “Toda vez que sofremos um trauma, precisamos falar muitas vezes da nossa dor para poder elaborá-la. É importante que a mãe enlutada tenha espaço para ser ouvida e acolhida, falar do seu filho, dos seus medos pois não é apenas a dor da perda que estará presente ali, teremos muitos medos, incertezas e até mesmo culpa que precisam ser elaborados”, esclarece.

Em grande parte dos casos, antes mesmo do bebê ser gerado, ele já havia sido idealizado, planejado e imaginado pela mãe, então mesmo sendo uma perda antes do nascimento já existia o amor e o desejo de ter este filho. “Mesmo que essa perda se dê antes do nascimento existe sim a dor e existe o vínculo. É importante auxiliar esta mãe nesse momento, o processo de luto se dará dentro de um processo de perda, mas pode ser intensificado por diferentes fatores”, destaca a psicóloga.

A dor do aborto é única para cada mulher

Jucieli também ressalta que a dor é única para cada mulher - independente se ela já é mãe ou teve o aborto em sua primeira gravidez. “A questão principal são as particularidades de cada mulher, seja ela mãe de outros filhos ou não. É necessário avaliar o que cada mãe que perdeu seu filho pensa, em que contexto aconteceu essa perda”, pondera.

Não ter filhos ainda pode acarretar o medo de novas perdas gestacionais quando esta mulher for fazer uma nova tentativa. Já para mães com filhos pode gerar frustração e desistência de fazer uma nova tentativa. “Isso é muito individual e particular, não existe uma regra. Cada mulher é única”, reforça.

É necessário viver o luto

Para a psicóloga, a melhor forma de lidar com a situação é poder vivenciar as dores da perda e as fases desse luto. “Não podemos ignorar o sofrimento ou tentar reprimi-lo. A tristeza estará presente neste momento para cumprir seu papel que é elaborar nossas situações difíceis”, orienta Jucieli.  “Buscar apoio da família, tirar as dúvidas com profissionais, médico ginecologista, psicoterapia, buscar grupos de mães que passaram pela mesma situação e aos poucos cuidar de si para que se assim desejar possa ter seu bebê arco-íris - termo usado para os bebês que nascem após um aborto espontâneo ou a perda de um bebê prematuro”, explica.

Nesse sentido, a família se torna essencial no processo. “O cuidado, acolhimento, dar liberdade para que essa mulher fale e dar apoio nesse momento ajuda muito no processo de elaboração. Além disso, é necessário ter atenção especial à relação do casal, pois muitas dúvidas podem surgir nesse momento e abalar a relação, como o medo de não poder ter um filho”, finaliza.

por Mariana Nunes

Mariana Nunes é jornalista. Ama café, praia, chocolate e futebol - não necessariamente nessa ordem. É torcedora fervorosa do Internacional e repórter do Bella Mais. @a_marinunes


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