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Por que parece tão difícil dizer não e colocar limites?

Educação, cultura e os aspectos sociais impactam diretamente na forma como as mulheres agem em suas vidas, famílias, trabalhos e relacionamentos

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O dia começa e você já sabe que tem uma entrega gigantesca pra fazer no trabalho. Ao mesmo tempo que precisa levar as crianças na escola e no esporte, organizar a rotina com a faxineira, levar a roupa do marido na lavanderia, conferir se a conta da luz está paga e, se der, ir pra academia. Cansou só de imaginar? Nós também! 

Mas também sabemos que, muitas vezes, nossa rotina tem essa cara. Então fica o questionamento: por que simplesmente não dizer “não”? Por que não dar limites às outras pessoas. Como sempre assumimos tudo, as pessoas não têm receio de deixar mais uma tarefa. Já parou pra pensar por que isso acontece? E não é apenas com você. 

“Temos que dar visibilidade para a forma como homens e mulheres vêm sendo educados em sociedade ao longo do tempo. A reprodução de valores, os direitos que cada gênero conquistou, e não só em casa, mas no trabalho, família, política, na forma como se manifestam nas relações”, explica a psicóloga Maria Eliza Vernet Machado Wilke.

Falta de limites é uma questão social

Ou seja, as práticas são aprendidas socialmente e, sem que as pessoas se deem conta, elas reproduzem atitudes e valores sem saber de onde isso surgiu. 

“A nossa sociedade não é educada para a igualdade. Ela ensina subordinação, competição, sentimentos de opressão a si e ao outro. Essa igualdade precisa ser conquistada e paulatinamente os casais estão caminhando para essa igualdade”, comenta a profissional. 

Eliza ressalta que ainda existe uma divisão sexual do trabalho, mas que já está em franca modificação: a figura do pai e da mãe e o mundo dos filhos. “O trabalho precisa ser reorganizado considerando essas funções e se tornar parental, ao invés de só da mãe, para que os filhos possam ver ambos dando conta de tudo e sendo responsáveis por tudo que se precisa na casa ou familia”, frisa.

Comunicação é a base para impor limites 

A psicóloga comenta que, entre seus pacientes no consultório, a falta de comunicação e entendimento se destaca entre os fatores que potencializam a falta de limites. 

“Homens e mulheres falam sobre a dificuldade de alicerçar detalhes e rotinas para compartilhar responsabilidades. É preciso combinar as responsabilidades de cada um para que uma pessoa não precise ficar o tempo todo dizendo para a outra o que espera que ela faça”, salienta. 

Quando cada um sabe as suas atribuições e as cumpre, não demanda que alguém gerencie isso – tarefa que normalmente recai sobre a mulher e causa o que é chamado de carga mental feminina. 

“A invisibilidade das tarefas e dos valores sociais desgastam o corpo e a mente. Cada vez que uma mulher se defronta com uma série de ações e decisões que precisa tomar, tudo isso se soma e gera a exaustão e o estresse, o que também leva a uma autocrítica exagerada, um julgamento por não dar conta”, fala. 

Segundo Eliza, além de impor aos outros limites para não chegar nessa situação, as mulheres devem entender que podem ter autocompaixão, se acolher, ser gentil e cuidadosa consigo mesmas, aceitar que não são perfeitas e que isso não é um fato isolado, pois acontece com todas. 

Se a origem é cultural, a solução está na mão da sociedade

“A evolução que a gente busca em termos de igualdade se dá a nivel individual, de cada família, mas também no coletivo. Estarmos falando disso aqui já é uma movimentação coletiva que vai trazer mais informação e reflexão sobre as necessidades desse projeto emancipatório das mulheres e dos homens, na família, no trabalho e nas relações”, afirma a psicóloga. 

Segundo a especialista, a expressividade feminina vai colaborar com a expressividade masculina e com o crescimento afetivo nas relações. “Hoje já vemos um homem mais paterno, que surge dessas relações. Pacientes homens que estão com bebês também vem tentando entender seu papel e fazer diferente do modelo que aprendeu com os pais e avôs. São precursores de uma nova forma de sentir, de se emancipar, libertar”, conta. 

E é aí que entram os aspectos da sociedade: os espaços públicos precisam ter, por exemplo, banheiro de família ou fraldário masculino, para que os pais possam atender e cumprir seu papel de pai. 

Ou seja, apesar de cada ato individual ser essencial, a relação da mulher com as tarefas e a forma como os limites são colocados não será resolvida dentro de uma casa, ela precisa ser tratada em grupos sociais. É preciso discutir modelos e ideias e essas conversas podem ser entre mulheres, entre homens, entre mulheres e homens, em casa, na escola, no trabalho, nos clubes. Em todos os espaços.


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