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Diagnóstico de depressão entre as mulheres aumenta no país

Índice é ainda mais alto entre elas, que são afetadas por questões sociais, genéticas, culturais e hormonais

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Divulgada pelo Ministério da Saúde, a Pesquisa Vigitel 2021 apresentou um dado preocupante em relação aos índices nacionais de depressão. De acordo com o estudo, reconhecido como o maior e mais tradicional inquérito de saúde do Brasil, 11,3% dos brasileiros relataram ter recebido diagnóstico de depressão. Este índice, de 1 em cada 10 pessoas diagnosticadas, equivale ao da Pesquisa Nacional em Saúde (PNS), que apontou o diagnóstico em 10,2% da população.

A doutora em Psicologia e psicóloga, Samantha Dubugras Sá, concorda que os dados são alarmantes. “Vamos olhar em volta. Sou professora do curso de Psicologia da PUCRS, se pensarmos em uma sala com 50 alunos, o que temos ali? Uma pessoa diagnosticada em cada 10. Serão 5 pessoas. E esses são os casos diagnosticados, mas a maioria não está, não chega a buscar ajuda”, frisa, lembrando que em torno de 60% das pessoas que cometem suicídio nunca consultaram um profissional de saúde mental. 

Segundo Samantha, existem estudos acadêmicos realizados dentro de hospitais e ambulatórios que mostram haver muitas pessoas que buscam atendimento por outras questões e são diagnosticadas com depressão. 

“Isso acontece porque as pessoas não sabem identificar a depressão. Seja a própria pessoa que está sofrendo, sejam as pessoas que estão no seu entorno. E mais, muitas vezes a pessoa muito deprimida perde a iniciativa, a energia. Não tem forças nem para tomar banho, está tão desesperançosa que não consegue se mexer para buscar ajuda”, esclarece. 

Porto Alegre no topo do ranking 

Os dados compilados pela Vigitel 2021 colocam Porto Alegre no topo do ranking das capitais, com 17,5% dos cidadãos com diagnóstico de depressão. Entre os homens, a cidade também fica em primeiro lugar, com 15,7%; já entre as mulheres, o total de 19% de diagnósticos coloca a cidade no quinto lugar da lista. 

“Os índices confirmam outros estudos que apontam que a depressão é mais prevalente entre mulheres, que também são as que mais manifestam comportamento suicida. Porém, mesmo que as mulheres tentem mais, são os homens que efetivam mais”, relata Samantha.

A psicóloga reforça que as pessoas acabam se dedicando mais ao “fazer para ter”, em detrimento dos momentos de prazer e que recarregam suas baterias, esforçando-se muito e compartilhando pouco os seus sentimentos, o que pode ser um fator de risco para a depressão.

Samantha comenta que, apesar de a Capital se destacar nos diagnósticos, estudos mostram que o maior índice de suicídios está na região fumageira, em cidades como Venâncio Aires e Santa Cruz do Sul, onde, além da comprovada relação entre a exposição a agrotóxicos e transtornos mentais, há uma questão cultural da solução de problemas muito forte. 

Entre as mulheres, a doutora em Psicologia salienta que o alto índice de diagnósticos de depressão é multifatorial, pois considera questões sociais, genéticas, culturais e hormonais. “As mulheres têm oscilações hormonais durante todo o mês, encaram o desequilíbrio dos neurotransmissores (serotonina e noradrenalina), o ciclo menstrual, a menopausa, podem passar pela gestação e o puerpério (até 15% das puérperas têm depressão pós parto). Além disso, elas também vivenciam mais traumas do que homens, como abuso psicológico, financeiro e patrimonial, emocional, físico e sexual. Tudo isso impacta na saúde mental e pode ocasionar a depressão”, esclarece. 

Samantha lembra também que o índice de violência doméstica aumentou na pandemia e as denúncias caíram, inclusive, porque, ficando em casa, as vítimas perderam sua rede de apoio.

Pandemia impactou emoções 

O que ocorreu nos dois anos da pandemia da Covid-19 impactou fortemente na saúde mental das pessoas. “Ficamos divididos entre dois extremos: um grupo de pessoas teve que ficar na rua, se expondo e levando o risco do vírus para dentro de casa; e outro grupo ficou em casa, convivendo 100% do tempo com a família, tendo negado seu direito de ir e vir”, explica a Samantha.

Neste período, as pessoas ficaram mais sensíveis ao sofrimento mental e, como reforça a psicóloga, “acabaram se percebendo mais, percebendo também as pessoas ao seu redor, a discutir mais as questões de saúde mental em geral”. Ao mesmo tempo, crianças foram diagnosticadas com um déficit importante de vitamina D, que é um antidepressivo natural.

Também houve um aumento dos índices de depressão e suicídio entre jovens e adolescentes. “Para eles, viver em grupo é muito importante, pois a socialização impacta na construção da identidade. E ficar trancados com os pais e privados do viver o mundo vai contra essas necessidades”, afirma. Samantha avalia também o impacto das redes sociais – e não apenas do uso dos eletrônicos – entre os jovens: “na clínica, percebi entre os pacientes um forte impacto das redes, afetados pelos filtros e pelo acesso a fragmentos da vida dos outros, que passam a impressão de que todos se divertem e são mais felizes”. 

Ainda é necessário entender o que é a depressão

Segundo a doutora em Psicologia, a pandemia foi uma sucessão de lutos, principalmente pela perda de pessoas, mas também de empregos, de renda, de experiências sociais. “Uso uma metáfora em sala de aula para diferenciar luto de depressão. O luto tem nome, que pode ser ‘eu fui demitido’, ‘eu me divorciei’, ‘Fulano morreu’, ou seja, a pessoa sabe por que está triste, vive esse sentimento e chora. Já a depressão, cujo nome no CID-11 é ‘transtorno depressivo maior’ é um sentimento difuso, ‘é por tudo e qualquer coisa’, a pessoa apenas sente e vive a dor, que não precisa ter um ‘nome’”, orienta a profissional. 

Para identificar um quadro depressivo é preciso observar a duração dos sintomas. “Todos temos pequenas alterações de humor, ter dias mais tristes e difíceis é normal. Ter um ou outro dia triste, como reação às perdas e situações que vivemos no dia a dia, não significa estar deprimido”, exemplifica. Samantha lembra haver casos em que a tristeza nem é o principal sintoma. O paciente pode apresentar apatia, falta de esperança, perda de prazer e de vontade para fazer as coisas, por exemplo, ocasionando ainda, outros sinais, como insônia e perda ou aumento de peso. 

Diante deste quadro, a criação de uma rede de apoio e o auxílio de pessoas próximas é fundamental para quem está enfrentando uma depressão. “Muitas vezes não basta ajudar a buscar ajuda. Como a pessoa com depressão perde a disposição de fazer as coisas, talvez seja necessário buscar ajuda para ela, procurar um profissional, marcar a consulta, acompanhar, comprar a medicação se for necessária...”, explica. 

E mais: nunca se deve minimizar os sentimentos das outras pessoas. “Se não sabe o que dizer, não fale nada, apenas acolha e busque ajuda”, conclui a psicóloga.


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