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Quais os principais impactos da pandemia nas relações sociais?

O distanciamento mudou a forma com que nos relacionamos com outras pessoas

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A conexão social é uma necessidade humana fundamental. A relação com outras pessoas traz diversos benefícios e tem ligação direta com a saúde física e mental. A pandemia trouxe uma série de adaptações e talvez essa tenha sido uma das principais: o convívio mudou, até mesmo com quem os mais próximos. E quais os impactos isso traz para essas relações?

A psicóloga Simone Grohs ressalta que o nosso cérebro é sensibilizado para sinais sociais. “Várias pesquisas relacionam a qualidade das relações com saúde física e mental, com resiliência e qualidade de vida. Por outro lado, inúmeros estudos reconhecem o papel prejudicial da solidão (sensação de desamparo) para a saúde da população - problemas cardiovasculares, ansiedade, depressão, abuso de substâncias psicoativas”, explica. 

Todos sabemos que na convivência com outras pessoas e seres vivos, sempre podemos aprender, se estivermos predispostos. “Viver é estabelecer trocas continuamente com o meio. Deixar de interagir é deixar de aprender e de viver. Essa é a relação direta da qualidade das relações com a saúde física e mental”, aponta Simone. “Estudos recentes da Neurociência enfatizam que as vias neuronais associadas às virtudes da cooperação – solidariedade, generosidade, empatia, autocontrole – desenvolveram-se graças à convivência em bando”, complementa.

Crises nas relações

O distanciamento causado pela pandemia, trouxe impactos nas relações familiares, amizades e até mesmo no trabalho. Algumas acabaram ficando enfraquecidas com a distância e nem sempre há o interesse de fortalecê-las novamente. Simone explica que o estresse crônico que estamos vivendo desencadeia reações de luta e fuga em nosso sistema nervoso.

“Essa condição de permanente estado de alerta, faz com que o ser humano perceba muitos estímulos ambientais como ameaçadores, quando na verdade não são. Isso pode interferir na interpretação que fazemos das atitudes das outras pessoas, muitas vezes errôneas, devido ao emocionalismo exacerbado”, aponta. 

Por outro lado, existem aquelas condições em que os problemas de relacionamentos estavam latentes, mas não expressos, e o convívio compulsório apenas evidenciou dificuldades pré-existentes. 

Novos conflitos

Há também a questão dos “novos conflitos” que acabaram surgindo durante este período. Recentemente, a atriz Jennifer Aniston declarou que cortou relações com amigos que se recusaram a tomar a vacina contra a Covid-19. A falta de cuidados com a pandemia também fez algumas pessoas fossem excluídas do convívio daqueles que julgam os protocolos importantes. 

Entretanto, a psicóloga acredita que os “novos conflitos”, em sua maioria, são “velhos conflitos” com outra roupagem. “Algumas pessoas com dificuldade de relacionamentos, por exemplo, podem aproveitar esse momento para evitar a conexão verdadeira com as outras pessoas. O problema de estabelecer vínculos, já existia antes da pandemia, agora essas posturas podem estar sendo usadas como forma de manter distância afetiva”, defende Simone. 

A profissional também explica que a radicalização e os extremismos podem ser devido às reações instintivas de lutar e fugir, na qual percebemos as pessoas que pensam diferente de nós como inimigos. “Infelizmente, o radicalismo sempre existiu na história da humanidade, e surge em momentos de crise, em que as pessoas não sabem dar respostas adaptativas ao estresse”, explica.

Porém, considerando que tudo tem os dois lados, também podemos levar em conta o fato de que as pessoas que optaram pelo autocuidado e pelo cuidado das pessoas com quem convivem, podem ter o direito de não conviver com aqueles que não se vacinam e/ou não evitam aglomerações. “Nesse caso, pode ser simplesmente uma diferença de valores pessoais e tudo bem não concordar. Assim, afastar-se é uma forma de profundo respeito de ambas as partes”, opina a psicóloga.

E como serão as relações pós-pandêmicas?

Para Simone, apesar de ser difícil prever, é provável que aconteça o mesmo que em muitos momentos de crise: existem pessoas que têm mais recursos para lidar com os desafios, são resilientes e florescem. Outras, por sua vez, têm maior resistência, desenvolvem mais sintomas físicos e psíquicos e não se adaptam.

“O problema não é a pandemia em si, mas a falta de preparo psicofisiológico para enfrentar as situações sem sucumbir. Essas diferenças de enfrentamento podem ser um empecilho para restabelecer o equilíbrio nas relações, por isso é muito importante falar sobre resiliência, gerenciamento do estresse, estratégias de enfrentamento”, destaca. 

Para a profissional, sem programas específicos de gerenciamento do estresse, a tendência é que esses impactos negativos se mantenham. “É possível que a fadiga digital que estamos sofrendo, faça com que as pessoas busquem mais contato presencial. Mas essa seria apenas uma hipótese. Mais uma vez, é preciso ressaltar que depende das estratégias individuais e coletivas de enfrentamento das mudanças”, comenta.

Recuperando os laços afetivos

Não só no pós-pandemia, mas imediatamente pode ser o momento certo para recuperar aqueles laços que acabaram enfraquecidos. De acordo com Simone, o primeiro passo é o autoconhecimento e se questionar: qual foi a minha responsabilidade em relação ao enfraquecimento de determinado vínculo? O que eu realmente posso fazer a respeito?

É necessário também buscar estratégias para reduzir o estresse e as reações de luta e fuga, que podem estar relacionadas às dificuldades de compreender e se fazer compreender. “Essas práticas incluem respiração consciente e diafragmática, exercício físico, cuidados com alimentação e sono”, orienta. 

Também é preciso discernir entre o que podemos ou não controlar. “O que podemos controlar? A nossa ansiedade, nossa intenção na comunicação, nosso desejo de melhorar. O que não podemos controlar? A reação das outras pessoas. Quando nos esforçamos para fazer o melhor e aceitamos o que não podemos controlar, estamos no caminho para ter relacionamentos mais saudáveis e uma vida de cooperação”, finaliza.

por Mariana Nunes

Mariana Nunes é jornalista. Ama café, praia, chocolate e futebol - não necessariamente nessa ordem. É torcedora fervorosa do Internacional e repórter do Bella Mais. @a_marinunes


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