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Vacinação contra a Covid-19 traz reencontro com a esperança

Depois de 10 meses de incertezas, psicóloga analisa a importância de nos sentirmos esperançosos (mas ainda vigilantes)

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A vacinação contra a Covid-19 finalmente começou no Brasil. Depois de 10 meses de pandemia, isolamento social, perdas e incertezas, o início da imunização trouxe de volta um sentimento que parecia distante: a esperança.

De acordo com a psicóloga pós-graduada em Neurociência e diretora da Máxima Performance, Simone Grohs, o nosso cérebro busca rastrear elementos no ambiente que podem ser uma ameaça à nossa sobrevivência. O momento em que se inicia o processo de vacinação pode ser uma contrapartida para essa tendência natural de identificar riscos e podemos começar a perceber as oportunidades que nos trazem esperança. “O sentimento de esperança envolve uma visão de futuro: estabelecer objetivos, criar caminhos para alcançá-los e ter energia para seguir em frente. Nesse momento, podemos recomeçar a retomar planos, traçar as rotas para realizá-los. Ter objetivos e a esperança de realizações é fundamental para a saúde mental das pessoas, para a preservação da vida e resiliência”, explica.

Dentro desse contexto, o sentimento de esperança é uma contrapartida ao medo, que predominou nos últimos meses. Simone esclarece que a emoção do medo tem um papel importante na sobrevivência da espécie. “Quando temos medo, estamos identificando ameaças no ambiente e isso pode ser fundamental para garantir a preservação da vida, como por exemplo, as pessoas que tiveram cuidados adequados de higiene pelo medo de contaminar-se”, diz a psicóloga.

Porém, essa condição, quando persistente, pode gerar reações fisiológicas crônicas, afetar o sistema imunológico e levar ao estresse crônico. “Daí a necessidade de conversar sobre o papel das emoções positivas, suas consequências na saúde física e mental da população, em especial da esperança, que é um sentimento que dá força às pessoas para enfrentarem circunstâncias difíceis”, aponta. 

Cultivar esperança é cuidar da saúde mental

Em tempos em que o cuidado com a saúde de uma maneira geral, mas especialmente às questões relacionadas ao psicológico, estão em alta, Simone destaca que pesquisas indicam que a saúde mental está diretamente relacionada aos sentimentos de esperança: pessoas esperançosas acreditam que o cenário mais sombrio não acontecerá com elas, têm resposta positiva a intervenções médicas, humor geral positivo, melhor sistema imunológico, enfrentamento eficaz dos desafios, maior busca de apoio e cuidados com a saúde.

“Isso se dá pelo fato de ajudar as pessoas a formularem seus objetivos, a pensarem em diferentes caminhos para alcançá-los, a se motivarem para segui-los e a considerar as barreiras como desafios a serem superados, a esperança têm papel fundamental na redução dos sintomas da depressão e da ansiedade”, explica a profissional. “Cultivar a esperança é algo que sempre é importante e deveria fazer parte da nossa educação, porque a visão de futuro permite a busca de novos caminhos, de ações que podem levar à mudança. Estudos relacionam a esperança às mudanças positivas de comportamento em tratamentos psicoterápicos”, complementa. 

Como incluir o cultivo de esperança na rotina?

Para cultivar a esperança, precisamos, em primeiro lugar, minimizar as reações instintivas de medo que interferem negativamente na nossa percepção e no cultivo de emoções positivas. “Para isso, nós sugerimos especialmente a prática da respiração diafragmática, que comprovadamente tem esse efeito positivo, de redução do medo e da ansiedade. A meditação também ajuda muito. Essas práticas fazem a conexão das estruturas responsáveis pelas emoções ao nosso córtex pré-frontal, responsável pela ponderação, pela racionalidade. Essa conexão diminui as respostas instintivas e automáticas, como o medo, e permite o cultivo de emoções positivas como a esperança, que é uma emoção deliberada, ou seja, é consciente”, indica Simone. 

Nesse momento da vacinação, que estamos retomando sonhos e planos, podemos traçar objetivos e rotas, cultivando uma visão de futuro. Por exemplo, nos relacionamentos: quais são os caminhos possíveis para viver melhor com as pessoas à minha volta? No trabalho, se a pessoa não está satisfeita, pode refletir sobre suas alternativas para  trabalhar com propósito – no emprego atual ou se pode pensar em mudar. Pode, ainda, pensar em algum objetivo junto à sua comunidade. “A esperança alimenta a motivação para agir”, ressalta a psicóloga.

Esperança não pode se transformar em euforia

A psicóloga alerta que é preciso atentar para o fato de que a emoção positiva advinda do início da vacinação pode transformar-se em euforia, reduzindo nossa capacidade de raciocinar e podendo levar a equívocos. Por exemplo, querer antecipar o retorno à vida normal, aglomerar-se, esquecer os cuidados básicos antes da hora certa. “A euforia está associada à ativação do sistema de recompensa cerebral, desencadeando um otimismo exacerbado. O ideal é buscarmos a autorregulação emocional, que cria um ambiente propício para o otimismo realista, a esperança e a visão de futuro”, destaca.

A colaboração, e não a competição, é que nos trouxe até aqui. Na vida em bandos, colaborar e ter esperança foi fundamental para a sobrevivência e para buscar alternativas para os desafios. “Hoje, com a vacinação, o sentimento de esperança nos une a todos os habitantes do planeta, criando esse espaço para refletirmos sobre novas rotas para todos nós”, finaliza.  

por Mariana Nunes

Mariana Nunes é jornalista. Ama café, praia, chocolate e futebol - não necessariamente nessa ordem. É torcedora fervorosa do Internacional e repórter do Bella Mais. @a_marinunes


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