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Estigmas e preconceito atrapalham quem busca manter a saúde mental

Dia Mundial da Saúde Mental, comemorado hoje, busca combater o olhar preconceituoso para quem precisa ou busca ajuda para transtornos mentais

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O estigma é grande barreira para as pessoas que sofrem de transtornos mentais, que muitas vezes são evitadas por amigos e parentes, discriminadas na escola ou trabalho, preteridas em processos seletivos e vítimas de violência. Além disso, pessoas com transtornos mentais são comumente retratadas de forma caricatural e preconceituosa no cinema e televisão. Hoje se comemora o Dia Mundial da Saúde Mental, data instituída em 1992 pela Federação Mundial de Saúde Mental para alertar para os cuidados necessários à manutenção da saúde mental.

“É estimado que apenas uma parte das pessoas que precisam de atendimento de saúde mental, sejam casos leves ou graves, buscam consultar. Há muitas razões para isso, claro, mas a maior delas é o não-reconhecimento de que buscar atendimento seja, se não o melhor manejo, mas pelo menos uma parte da melhor forma de lidar com a situação”, afirma Emmanuel Kanter, médico psiquiatra e psicoterapeuta com ênfase em terapias comportamentais contextuais.

Segundo o profissional, que atende em consultório particular e no Centro de Estudos da Família e do Indivíduo de Porto Alegre, a maioria dos pacientes que demoram a buscar o atendimento relatam terem sido discriminados, de maneira explicita ou velada. “E mais do que isso, eles contam quanto essa discriminação atrasou seu tratamento, o que em vários casos há uma evolução para um quadro crônico da doença”, diz.

Falar abertamente sobre o assunto pode ajudar 

O psiquiatra destaca que, felizmente, já progredimos muito no projeto de tirar esse estigma sobre quem tem doenças mentais. Colaboram com essa mudança os relatos das celebridades sobre a importância do tratamento que realizaram – como a Lady Gaga, que fala abertamente sobre o tratamento do seu Transtorno Limítrofe com Terapia Comportamental Dialética –, a realização de mais campanhas informativas e de palestras sobre o tema, levando a mensagem para diferentes públicos. 

“Mas infelizmente ainda estamos bem longe do cenário ideal: aquele em que tratar um quadro emocional será considerado semelhante ao tratamento de problemas como pressão arterial aumentada, diabetes ou hipotiroidismo”, lamenta.

Emmanuel observa que, geralmente, os jovens têm aceitado bem uma série de modificações culturais que buscam acolher pessoas outrora estigmatizadas, como a população LGBTQIA+, assim como não aceitam discursos de preconceito étnico-racial.

 “Além disso, esse grupo nasceu num mundo que usa de forma mais corriqueira do que há 20 ou 30 anos expressões como TDAH, bipolaridade e autismo, e ter acesso a esse conhecimento torna o assunto menos fantasmagórico”, complementa. Quando convidado por escolas para falar para jovens, Emmanuel percebe que os alunos estão mais abertos para entender e conhecer que muitos adultos e, por isso, fazem muitos questionamentos sobre estes tópicos. 

Outras formas de romper o estigma

O psiquiatra lamenta que sugerir a alguém que a pessoa busque por terapia ainda seja visto como ofensivo – e a resposta normalmente venha acompanhada do raciocínio "você quer dizer que eu sou louco?". “Por isso, o melhor caminho costuma ser dar um inocente (mas nem tanto) relato individual: quando a pessoa relata um quadro doloroso, respondemos algo como ‘puxa, passei por algo muito parecido. Felizmente eu tive muito suporte na minha terapia, fez para mim toda a diferença!’. Esse tipo de narrativa é mais bem aceito”, ensina.

Porém, quem sugere a terapia como alternativa de tratamento sempre se corre o risco de ouvir frases como “não preciso, eu rezo e tudo fica bem”, “não preciso de terapia, pois tenho academia/mesa do bar” ou “remédio é coisa de gente louca”. Neste caso, Emmanuel pondera que, sim, fazer uma atividade física, atividades prazerosas, encontros sociais com amigos e conexão com a própria espiritualidade são superimportantes e nunca deveriam ser negligenciados ou deixados de lado. 

“Mas assim como encontrar os amigos não substitui fazer exercícios, as diversas categorias que fazem parte de uma vida saudável se complementam, não se substituem. E o acompanhamento psicoterápico e psiquiátrico podem - e muitas vezes devem! - fazer parte de uma vida saudável e valorada”, explicita.

Infelizmente, não conseguiremos convencer todas as pessoas a buscar tratamento, quando necessário, nem a respeitar as escolhas e necessidades de quem o faz. Porém, o importante é a pessoa que está em psicoterapia e/ou fazendo uso de psicofármacos se sentir mais feliz, melhorando. “Em relação a possíveis críticas, não há o que fazer além de ouvi-las. Já se os comentários forem preconceituosos, o paciente precisa, na hipótese mais neutra, ignorá-los solenemente”, conclui Emmanuel.


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