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Caso Simone Biles abre discussão sobre a saúde mental no esporte

Para a ginasta norte-americana, o corpo e mente não estavam em sintonia

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Quando falamos sobre as Olimpíadas, logo nos vem à mente competições acirradas, medalhas, vitórias, comemoração e alegria. Porém, a edição de Tóquio trouxe à tona um assunto que nem sempre ganha a sua devida importância no meio esportivo: a saúde mental dos atletas. 

A norte-americana Simone Biles, de 24 anos, comemora a conquista da medalha de bronze na trave da ginástica olímpica. Mas antes da vitória, ela havia desistido de disputar a final individual geral da ginástica, além da final por equipes e também das decisões do salto e das barras assimétricas. 

Atleta precisava cuidar do seu bem-estar emocional

A decisão recebeu apoio, mas também foi alvo de críticas. Simone usou as suas redes sociais para fazer um desabafo. “Para quem diz que eu desisti, eu não desisti. Minha mente e corpo simplesmente estão fora de sincronia. Não acho que vocês entendam quão perigoso isso é nas superfícies de competições duras. Eu não preciso explicar porque coloquei a saúde em primeiro lugar”, declarou.

Em outra postagem, Biles agradeceu: “O amor e o apoio que recebi me fizeram perceber que sou mais do que minhas realizações na ginástica, o que eu nunca acreditei antes”, afirmou. 

O psicólogo do esporte e membro do Grupo de Pesquisa em Estudos Olímpicos (GPEO) da PUCRS, Marcio Geller Marques, explica que este tipo de situação não é rara no esporte, mas normalmente vem ocultada por outras manifestações. “Por exemplo, baixo rendimento, lesões recorrentes, entre outras. O comportamento dessa atleta acabou expondo uma fragilidade psicológica, por isso que chamou tanto a atenção”, relata.

Atletas “heróis”

Outro ponto trazido pelo psicólogo é que, por muitas vezes, os atletas são vistos pelo público como “heróis”, pois só vê naquele momento de competição de alta performance, em que as fraquezas dificilmente aparecem. “Existe um contexto por trás desse atleta, que no caso é um ser humano que abrange todos seus níveis de complexidade.  Sendo assim, é importante entender que ele possui inúmeras qualidades, porém não exclui os seus medos e ansiedades próprias do indivíduo”, destaca Marques.

Por trás das vitórias e conquistas, a ansiedade e a depressão estão presentes no meio esportivo. A primeira é ainda mais comum. “Deve-se observar que a ansiedade possui níveis, no qual o elevado pode prejudicar o desempenho do atleta. Isso significa que um certo nível de ansiedade é importante e pode ser visto como meio de motivação. As causas desses sintomas são multifatoriais, desde um desequilíbrio orgânico até elevada cobrança interna”, explica o profissional.

Nesse sentido, a psicologia do esporte ganha cada vez mais espaço nas equipes esportivas. “Tanto os treinadores, gestores e atletas estão percebendo a importância da preparação mental para as demandas psicológicas do esporte. É importante salientar que todas as áreas devem ser contempladas na preparação do atleta”, ressalta Marques.

Preparação durante a carreira

Para o psicólogo, a tendência é que os esportistas estejam cada vez mais preparados para as pressões sofridas na carreira. “O grande atleta não aparece da noite para o dia, são anos de preparação, mas nesta trajetória diversas pressões vão surgindo e quem tiver melhor preparado consegue se destacar”, explica.

Os casos de ansiedade e depressão não são exclusividade de modalidades específicas. Marques ressalta que a questão principal não é o esporte em si, mas sim como o atleta percebe seu esporte. “Se ele perceber o esporte como de muita pressão e cobrança, por exemplo, com certeza irá desencadear um elevado estresse na sua carreira esportiva podendo gerar estes sintomas”, afirma.

Em 2017, o ex-jogador do Internacional, Nilmar, abandonou os gramados após ser diagnosticado com depressão. Na época, o atleta jogava pelo Santos e já se sentia triste e estressado. Porém, a gota d’água foi uma crise que paralisou todo o lado direito do seu corpo, ainda dentro do vestiário. Após o episódio, ele tomou a decisão de encerrar seu contrato com o clube e buscar ajuda profissional. Em declarações posteriores, Nilmar contou que não pretende voltar a jogar futebol.

Marques explica que, frente a um caso de abandono do esporte, é importante identificar os principais causadores de estresse. “A partir desse entendimento, podemos iniciar um trabalho de ressignificação, ou seja, conseguir perceber e entender o esporte de uma maneira adequada e não de uma forma negativa e estressante que remete ao sentimento do abandono”, aponta.

Como evitar

Dentro do meio esportivo, a boa relação da equipe interdisciplinar é fundamental. Na medida que todas as áreas forem trabalhadas, o atleta terá suporte e confiança em enfrentar as exigências do seu desporto. “Em relação à área da psicologia do esporte, é importante ter um espaço para o atleta compartilhar seus medos e anseios e, do mesmo modo, desenvolver uma maior autoconfiança”, destaca o profissional.   

Marques acredita no trabalho preventivo psicológico para evitar o adoecimento. “Isso ajuda a uma vez que chegar uma demanda emocional elevada (Olimpíada, Mundial), o atleta estará pronto para ter uma correta tomada de decisão e potencializando o seu lado emocional”, finaliza.

por Mariana Nunes

Mariana Nunes é jornalista. Ama café, praia, chocolate e futebol - não necessariamente nessa ordem. É torcedora fervorosa do Internacional e repórter do Bella Mais. @a_marinunes


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