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Susan Mendes transforma papelão em obras sobre mulheres reais

Em entrevista exclusiva ao Bella Mais, a artista contou sobre sua história e a identificação com questões relacionadas às mulheres, expostas em suas obras

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Pergunte a uma mulher o que a torna livre. A artista visual Susan Mendes responde coletivamente com a arte: o direito de ser real. Há mais de 40 anos trabalhando com figuras femininas na arte contemporânea, Susan assina agora uma das exposições do projeto Portas para a Arte, dentro da 13ª edição da Bienal do Mercosul em Porto Alegre. 

Intitulada “Por um Fio”, a mostra vai até o próximo sábado, 17 de dezembro, e apresenta em 26 obras a vida das mulheres que se tornam vítimas da violência direta, indireta, física e moral. O  papelão corrugado é o principal material usado pela artista, combinado com tecidos, madeiras, fibras siliconadas, tintas, colagens e espelhos. 

O processo de lixar e rasgar o papelão, reflete a mulher real com suas curvas e cicatrizes; a autoimagem feminina sem a imposição de padrões e estereótipos. Parte da exposição foi feita durante a pandemia, em 2020, e retrata também o confinamento e a solidão. 

Quer saber mais sobre a artista e suas obras? Susan concedeu uma entrevista exclusiva ao Bella Mais, em que nos contou um pouco sobre sua história e sobre sua identificação com questões relacionadas às mulheres, tema principal da exposição e de seu trabalho. Veja abaixo:

Bella Mais - Quem é Susan Mendes e como começou a ter contato com a arte? 

Susan Mendes - Nasci em Caxias do Sul e moro em Porto Alegre há mais de 40 anos, onde trabalho e tenho o meu ateliê. Sou casada, tenho 68 anos, dois filhos e quatro netos. Minha formação foi em Exatas, cursei Matemática na UFRGS. Sempre acreditei na arte como a minha principal forma de expressão, gosto de desenho e pintura desde a infância, mas somente nos últimos 10 anos pude me dedicar à ela. 

Minha primeira exposição individual aconteceu em 2016. De lá para cá já foram mais de 30 exposições - sete delas individuais. O foco do meu trabalho é a mulher real e o mundo feminino. Isso começou durante uma aula no Ateliê Livre da Prefeitura de Porto Alegre. Até aquele momento, eu pintava mulheres idealizadas, dentro dos padrões, mas naquele dia trabalhamos com modelo vivo. Pintei uma mulher de idade mais avançada, com curvas e gorduras. Vi que não me sentia representada nas figuras anteriores: meu caminho era falar sobre mulheres que existem, que são possíveis e foi assim que comecei a desenvolver o trabalho que faço hoje.

Bella Mais - Suas obras sempre tiveram um viés feminista? Por que trazer essa temática para a arte?

Susan Mendes - Desde o momento que desenhei a primeira mulher real, entendi que era isso que deveríamos mostrar e admirar. Às vezes uma imagem fala mais do que mil palavras. Percebo nas minhas exposições que as pessoas se identificam e gostam de se ver representadas nas obras. Todas nós temos curvas, cicatrizes, envelhecemos...e precisamos nos reconhecer como somos nessa passagem do tempo na vida.

Bella Mais - Na sua visão, por que é importante trazer a figura de mulheres reais para a arte?

Susan Mendes - É importante para trazer todo esse contexto em que a mulher deve ser reconhecida, buscar cada vez mais a igualdade, acreditar em si e não ter vergonha das suas fraquezas e necessidades. A arte deve se aproximar do povo. Antigamente ainda era muito elitizada, mas nos últimos anos existe um movimento de aproximação da arte com as pessoas e isso é muito rico.

Bella Mais - Por que escolheu o papelão corrugado como tela para suas obras?

Susan Mendes - O papelão corrugado possui uma textura e composição que permitem que eu provoque intervenções como a costura, o rasgado, o desgaste e, tudo isso, na linha poética, representa a passagem do tempo e as intempéries que sofrem o corpo e a vida da mulher. Também acredito que ela representa o feminino: delicado e frágil em sua camada externa, mas internamente é forte e resistente.

Essas caixas já foram utilizadas para transporte de eletrodomésticos e são recolhidas nos entulhos de Porto Alegre. Ao ver essas caixas ainda fortes serem descartadas, faço também uma conexão com o descarte da mulher; quando ela já não tem a forma ideal, quando não se encaixa em padrões. Quero que a gente ressignifique a situação da mulher que tem sempre muito a contribuir e fazer pela sociedade. 

Bella Mais - Por que a exposição chama-se “Por um fio”?

Susan Mendes - Esta exposição fala sobre violência contra a mulher. Quero deixar claro o limite que existe entre a vida e a morte – que pode ser física, espiritual ou emocional. Uma linha frágil divide esses dois mundos e pode se romper a qualquer momento, num piscar de olhos. Minhas obras representam mulheres reais, com corpos que não são idealizados; que representam a passagem do tempo, dos filhos, da vida. Em grande parte, estão nuas. Uma nudez que significa despir-se de uma camada emocional e social que não querem mais carregar, porque buscam ser elas mesmas sem cumprir nenhum papel determinado pela sociedade.

Muitas obras também têm também costuras com pontos irregulares que representam as cicatrizes que nós temos e que estarão sempre presentes em nossos corpos. Quero que as pessoas vejam a mulher hoje e se perguntem em que ponto a gente se encontra em todo esse processo. É preciso um olhar atento para que esse fio não se rompa. Devido ao grande sucesso e procura pela exposição, faremos um segundo ciclo, em março de 2023, aproveitando o Mês da Mulher.

Bella Mais - Qual a sensação de estar participando da 13º Bienal do Mercosul?

Susan Mendes - É emocionante. Essa Bienal, particularmente, me tocou de uma forma muito profunda. A curadoria do Marcelo Dantas foi maravilhosa e trazer retratos do indizível foi algo que fala muito a respeito do meu trabalho. Eu também tento passar para as pessoas coisas que não são ditas. Esse foi o cunho dessa Bienal, esse - provocar sentimento - é um dos principais objetivos da arte. Outro aspecto importante foi o projeto Portas para a Arte oportunizou que outras galerias e artistas pudessem participar da Bienal e que ela continuasse viva mesmo após seu término.

Serviço:

Exposição Por um Fio 

Visitação: de 18/11 a 17/12 

Terças a sextas, 15h às 18h. Sábados mediante agendamento 

Local: Ateliê Susan Mendes, rua Felipe Becker, 431, bairro Três Figueiras - Porto Alegre


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