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Lei Maria da Penha completa 16 anos neste domingo

O Bella Mais ouviu uma advogada para entender a importância da lei e quais avanços ela trouxe para a proteção das mulheres vítimas de violência

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Neste domingo, a Lei Maria da Penha completa 16 anos. Aprovada em 2006, a legislação leva o nome da farmacêutica cearense que ficou paraplégica devido à violência doméstica. Maria da Penha passou anos sofrendo nas mãos de seu marido. 

Em 1983, ela foi vítima de uma tentativa de feminicídio por parte do esposo e teve um tiro disparado em suas costas enquanto dormia, que deixou-a em seu estado atual. Mas o ciclo de violências não parou por aí. Quatro meses depois, quando voltou para casa, o marido a manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho.

Mais de 20 anos depois, em agosto de 2006, após todo o acontecimento ter vindo a público, foi criada a Lei Maria da Penha, que modificou o caráter e a gravidade com que os crimes de violência doméstica são julgados e fez aumentar o número de denúncias. Para entender melhor qual a importância dessa Lei conversamos com a advogada Kerlen Costa. Veja abaixo a entrevista completa:

Bella Mais - Por que a Lei Maria da Penha é tão importante? Quais mudanças a Lei Maria da Penha trouxe? 

Kerlen Costa - A Lei identificou e classificou os tipos de violência contra a mulher para mostrar que ela não ocorre apenas quando é visível em um exame de corpo de delito. E mostrou ainda, que, dentro do âmbito familiar, ela nunca começa com a violência física. Foi a partir daí, que os conceitos de violência patrimonial, sexual, moral e psicológica começaram a ser considerados de fato. A Lei foi criada para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, criando dispositivos justamente para sua proteção em ambientes de maior vulnerabilidade. Ela trouxe, por exemplo, a possibilidade de concessão de medida protetiva em 48 horas, conferindo urgência ao tema e obrigando que essa decisão não ficasse parada na rede de burocracia.

Bella Mais - Como os crimes de violência contra a mulher eram tratados pela Justiça antes da Lei Maria da Penha?

Kerlen Costa - Antes, os crimes de violência doméstica e familiar eram processados pelos Juizados Especiais Criminais, pois eram considerados crimes de menor potencial, com até 1 ano de detenção. A violência intrafamiliar e contra a mulher praticamente não era punida, pois os conflitos eram solucionados judicialmente em uma audiência simples, resultando em acordos entre agressor e vítima e, eventualmente, uma prestação de serviços comunitários, convertido em pagamento de cestas básicas.

Bella Mais - E com a Lei Maria da Penha, como os crimes passaram a ser tratados? Quais avanços tivemos?

Kerlen Costa - A partir da Lei Maria da Penha foi instituído um aumento da pena máxima dos agressores, foi criado um Juizado específico e normas para a recepção e o atendimento às vítimas que procuram as instituições. Antes, a polícia lavrava um Termo Circunstancial de Ocorrência. Um relatório simples. Após 2006, há um capítulo inteiro na Lei sobre o atendimento que deve ser dado pela autoridade policial, incluindo a prisão em flagrante do agressor. Na lei anterior somente havia prisão no caso de lesão gravíssima – como morte ou tentativa de homicídio. Esses e outros pontos importantíssimos são o que fazem com que a ONU considere a Lei Maria da Penha a 3ª melhor lei do mundo para enfrentamento da violência contra a mulher.

Bella Mais - Como está o cenário da violência contra a mulher atualmente? 

Kerlen Costa - O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking dos países que mais matam mulheres. Na maioria dos casos, os agressores são maridos, namorados, companheiros, homens que não aceitam o fim do relacionamento. Nós lidamos com um estupro a cada dez minutos e um feminicídio a cada sete horas. E esses são apenas os casos denunciados. Estima-se que apenas 10% das mulheres busquem denunciar seus agressores. 

Além disso, só no primeiro semestre de 2022 o Tribunal de Justiça já emitiu 60.632 medidas protetivas em todo o Rio Grande do Sul com base na Lei Maria da Penha. Isto dá, em média, 336 pedidos concedidos por dia, segundo dados da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar. Já o número de prisões decretadas é bem diferente. No primeiro semestre de 2022, as prisões decretadas em casos de violência doméstica só no Rio Grande do Sul somaram 2.082 apenas. Isso significa que a Lei existe, e é uma das melhores e mais completas do mundo, mas os números não param de aumentar, pois a sua aplicação ainda é falha.

Bella Mais - O que ainda deve ser feito para combater a violência contra a mulher?

Kerlen Costa - Não é de hoje que assistimos inertes ao absurdo. Boquiabertos, mas inertes. Nós não ensinamos nossas meninas sobre seus direitos e não exigimos da Justiça o cumprimento da Lei. As vozes gritam sozinhas por um problema que é coletivo. 

Um dia desses, em Canoas, um homem jogou gasolina na esposa, ateou fogo na frente dos filhos. Ela permanece em coma. Há alguns meses uma mulher que era mantida em cárcere privado pelo marido conseguiu fugir. O marido, sob ameaças de morte, a obrigava a costurar a própria boca com linha de pesca e ela teve que cortar a própria língua como método de tortura. Viveu 10 anos sendo mutilada até a fuga. 

Uma menina engravidou do próprio pai aos 12 anos e teve o aborto negado pela Justiça…O Brasil é o quarto país no mundo no ranking do casamento infantil e o quinto no de feminicídio. E isso não vai mudar enquanto não houver uma mudança estrutural na educação e na justiça. Temos uma das melhores leis do mundo, mas somente se a aliarmos à consciência coletiva, poderemos ver esses números diminuírem.

por Vitória Nunes Soares

Como boa repórter, está sempre pronta para aprender sobre todas as coisas. Tem estilo low profile, ou seja, é meio sumida das redes sociais pois prefere viver.


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