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Meu ranço com as comemorações do dia da mulher

A advogada e empresária Kerlen Costa escreve sobre as mensagens que, disfarçadas de homenagens e elogias, apenas reforçam a imagem frágil da mulher

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Por Kerlen Costa

Quem me conhece de perto sabe que tenho ranço de algumas comemorações desse dia.
Não da data.
Mas das flores, dos esmaltes, das promoções de eletrodomésticos nas lojas...
Tenho um ranço enorme dessa simbologia que mais reforça uma imagem frágil quando deveria ressaltar a importância e a batalha que é ser mulher.
Esse é um dia em que eu lembro todas as vezes em que a condição feminina me retirou do jogo.
Das vezes em que precisei podar atitudes, voz e vez pela justificativa de que meninas não agem assim.
Eu lembro dos "feche as pernas", dos "está pedindo", dos "essa hora na rua?", dos "ninguém respeita mulher que bebe", dos "meninas não falam palavrão". 
Eu lembro dos conselhos para não ser agressiva, mandona, ambiciosa... Para não "me achar", não engordar, não envelhecer, servir, me enquadrar, caber nessa caixa onde devem estar todas as mulheres "de bem".
Eu lembro que o Brasil tem a quinta maior taxa de feminicidio do mundo e que ocorrem 180 estupros por dia nesse país.
SIM, VOCÊ LEU CERTO. É POR DIA!
E que a maioria ocorre dentro de casa. 
Eu lembro que as brasileiras levam 10 anos em média para deixar um relacionamento abusivo. 
E olha que estou sempre buscando um motivo para comemorar qualquer coisa e adoro ser parabenizada.
Mas no dia 8 de março comemoramos o que?
Ser mulher em um mundo onde a minha diversão define até a minha competência?
Esse é um dia de CONSCIENTIZAÇÃO.
Não adianta dar parabéns e não chamar atenção do amigo que manda mensagens machistas no grupo.
Não adianta dar flores enquanto critica a roupa de uma mulher que está de saia curta.
Não adianta bombons se sempre pergunta se ela pretende ter filhos na entrevista de emprego.
Ou textão nas redes se não honra as conquistas feministas.
Não basta dizer que ama as mulheres enquanto seus ídolos são todos homens.
Fazer homenagem na empresa, mas só ter homens em posições de gestão. 
Por isso não ouse comemorar enquanto julga mulheres que são livres.
Hoje, quando abraçar uma mulher, realmente sinta.
Dê a mão e apóie.
Escute e compreenda a sua história.
Entenda que fomos criadas em uma estrutura feita por homens e para homens e é natural que algumas de nós ainda estejam vivendo aquilo que foram ensinadas a pensar.
Por isso compreenda. Não precisa concordar, mas não julgue.
Abra seus olhos e, neste dia, nos peça desculpas e prometa que, de uma vez por todas, estará de verdade do nosso lado.

Kerlen Costa é advogada trabalhista empresarial no Scalzilli Althaus, empresária no Café República, mentora de carreiras da PUC, é uma das idealizadoras da CO.RE e líder do Grupo Mulheres do Brasil em Porto Alegre. 


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