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Nadine Anflor: "o combate à violência doméstica ajuda a prevenir crimes futuros"

Em entrevista exclusiva, a Chefe de Polícia do RS analisa os novos desafios criados pela pandemia no enfrentamento da violência doméstica

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Há 18 meses a frente Polícia Civil gaúcha, a delegada Nadine Anflor aprendeu muito e ensinou mais ainda. Adepta do exemplo como ferramenta de transformação, ela vem tentando imprimir na Polícia Civil a humanização do atendimento ao cidadão, sem perder a força que caracteriza o poder policial. E em tempos de pandemia, reflete: “percebemos ainda mais como é difícil dar o exemplo certo”.

Em entrevista exclusiva ao Bella Mais, ela falou sobre desafios e aprendizados, violência doméstica e até sobre os questionamentos em aceitar-se como feminista estando à frente da instituição. Ela ainda reflete sobre o papel estratégico que o combate à violência doméstica tem para uma sociedade mais segura no futuro.

Quais os aprendizados que a pandemia trouxe para você?

O meu maior aprendizado foi manter a calma. Neste momento tenho que dizer para a minha equipe ter equilíbrio, foco. Procuro transmitir tranquilidade para a equipe trabalhar dando respaldo para que eles possam seguir em frente. Temos que mostrar que precisamos ter e dar esperança.

E pessoalmente, quais os aprendizados?

Tenho visto que damos importância para coisas desnecessárias. Moro no meu apartamento há 5 anos e não lembro de ter contemplado o pôr do sol ou o amanhecer. Nunca tinha olhado pela janela com esse olhar, por causa da loucura do dia a dia. Só verificava a temperatura ou se estava chovendo. Agora tento ver o que está além.

Quais as tuas preocupações em relação a segurança pública?

De todos os problemas da sociedade como um todo, a segurança pública é um dos mais abrangentes, é fundamental na vida das pessoas. Justamente por isso, como gestora pública, procuro melhorar o atendimento ao cidadão, trabalhar com estratégia e planejamento. Tudo para dar como resultado a redução da criminalidade e trazer uma efetiva sensação segurança para a população.

Em relação aos tipos de crime, uma das minhas principais preocupações, especialmente nesse momento, são os de violência doméstica e familiar por conta da necessidade de isolamento e maior convívio. Além dos crimes contra a vida e patrimoniais, que também estamos controlando e investigando.

Por que a questão da violência doméstica preocupa mais neste momento?

Porque a violência doméstica é um dos crimes mais difíceis de reduzir os indicadores, pois não depende apenas da ação da força policial. É necessário um engajamento da sociedade como um todo. Uma casa onde está faltando amor, onde tem violência ao invés de conversa, pode levar um adolescente para as drogas. Depois ele pode ir para o tráfico e até mesmo se envolver em um homicídio. Ou seja, pode desencadear vários delitos e a origem está na família. Então, o combate à violência doméstica também ajudar a prevenir crimes futuros.

Por que os crimes na família preocupam?

Os crimes na família acontecem dentro de casa, ninguém quer se meter. Todo mundo acha que não acontece na sua família, então não tem que se preocupar. Ou ainda escondem a questão. Esse é um grande desafio pois, homicídio e tráfico, por exemplo, se trabalharmos com investigação qualificada, conseguimos reduzir os indicadores. Tu não depende da mudança de comportamento das pessoas. Se colocarmos a força e a inteligência policial, conseguimos diminuir.

E a pandemia? Está piorando a situação?

Apesar de ser uma tendência no mundo inteiro por conta da pandemia, tivemos uma redução de 17% nos registros de violência contra a mulher (ameaça, lesões corporais e injúrias) no primeiro semestre em relação ao ano passado. Os meses que apresentaram os maiores números foram justamente janeiro e fevereiro - ou seja, antes do isolamento. Isso não significa que não estejamos preocupados com uma possível subnotificação dos casos a partir de março. Para reverter isso, a Polícia Civil abriu novos canais de denúncia como o registro online e um WhatsApp para isso (51 98444-0606). Além disso, disponibilizamos atendimento psicológico na Delegacia de Porto Alegre por videoconferência. 

És a primeira Chefe de Polícia mulher, trouxeste a questão do gênero para a discussão. Chegaste a te questionar sobre manter a bandeira da violência contra a mulher como destaque?

Sim. No ano passado, vivi 7 meses na dicotomia do que fazer: tudo o que fazia era porque eu era mulher. Lá pelas tantas me dei conta de que essa é a minha bandeira, que tenho que assumir isso. Eu não podia abandonar. Todos os outros Chefes de Polícia trouxeram suas bandeiras de trabalho, trouxeram suas vivências. Nunca tivemos um Chefe de Polícia que viesse da Delegacia da Mulher - e eu fiquei 7 anos lá. Agora temos. Virei o ano e entendi que essa é a minha bandeira e também a minha missão. É óbvio que jamais deixará de ser prioridade a investigação dos crimes patrimoniais, dos homicídios, do combate à corrupção e lavagem de dinheiro. Mas agora a violência contra os grupos vulneráveis também está entre as prioridades.

E os colegas entendem isso?

Eles estão entendendo, mas algumas vezes ainda é encarado como “mimimi”. Bom… se for “mimimi”, que seja. Não podemos esquecer da força da instituição, mas temos que buscar o equilíbrio, humanizar o atendimento ao cidadão. Às vezes, tratar uma família é prevenir outros crimes. É um trabalho de longo prazo, então deixa falar. Estamos no caminho certo. Quem não se preocupa com esse “mimimi’, não está enxergando o mundo, não está vendo o futuro. Então, se tem embate por ser “mimimi”, vai fazer por que é importante.

por Fabiane Madeira

@fabianemadeira é apaixonada por comida, mas vira e mexe briga com a balança. Adora cinema, mas não é cinéfila. É empresária, dinda e tia babona. É editora do Bella Mais e gremista desde sempre.


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