Os judeus não andam de moto nem reagem proporcionalmente

Os judeus não andam de moto nem reagem proporcionalmente

Em meio ao conflito entre Israel e grupos extremistas, uma reflexão sobre a moral e os valores humanos.

Daniel Barril

publicidade

Lembro, há alguns anos, de assistir a um programa em que o Larry King entrevistava um motoqueiro de um famoso reality show. O entrevistado, em meio à entrevista, indagou se ele, Larry King, andava de moto, ao que este disse: “Não, eu sou judeu”. O entrevistado fez uma cara de quem não entendeu e Larry completou: “Os egípcios, os romanos, os espanhóis, os alemães, todos estes povos, e mais alguns outros, quiseram nos matar. Você acha que eu colocaria deliberadamente mais um elemento de perigo nesta minha já arriscada vida?”.

Pois bem, parece que a nossa história se repete e agora quem quer nos matar são os fundamentalistas islâmicos. Aliás, ao que tudo indica, parece que estes querem destruir não apenas o povo judeu, mas todos aqueles que se enquadram no conceito de infiéis, conceito amplo que deve abarcar quase a totalidade da civilização mundial, com exceção deles próprios, certamente.

Ora, poder-se-ia dizer que a luta deles, em verdade, é por um Estado. Mas, contra essa falácia, a história nos mostra de que por todas as vezes em que lhes foi possibilitado um Estado (inclusive com a ONU, em 1947), foram justamente eles que não o aceitaram, sob argumentos vários, mas essencialmente por conta da impossibilidade de reconhecerem a existência de um Estado judeu.

De maneira pueril, e tentando explicar aos meus filhos o porquê algo tão simples (dois Estados) se torna tão complexo, tenho que lhes mostrar que, sem reciprocidade ou reconhecimento mútuo, nada sai do papel: “Ok, vocês terão um Estado. Mas eu terei condições de ter o meu?”. Ou, indo mais longe, e eventualmente aceitando que o povo judeu seja o único do mundo sem direito a um Estado: “Mesmo que eu não possa ter um Estado, terei direito de existir, ou a sua doutrina e fé exigem a minha extinção”?.

Quem já conviveu com o conflito em tempos passados sabe que as respostas para as indagações acima são negativas. Assim como se sabe, de antemão, que tão logo Israel revidasse, surgiria o estranho argumento da reação desproporcional do nosso Estado. E nisso me indago no que consistiria uma reação proporcional? Deveríamos procurar festas de jovens palestinos para retaliarmos? Deveríamos dizimar cidades com igual população? Ou, mais precisamente: deveríamos realizar um número proporcional de estupros, sequestros e decapitações em face do número absoluto de mortes?

Serve-me de alento, porém, saber que, não obstante a dor e as mazelas da presente guerra, estes fundamentalistas ficarão na história apenas como mais um dos tantos que tentaram nos destruir e não conseguiram. Assim como me serve de alento o fato de que se ainda não há um Estado democrático palestino, essa culpa não é nossa.

Por tudo isso, tenho que lhes informar que nosso exército não agirá de maneira proporcional, porque não nos rebaixaremos a um nível moral que justifique estupros, sequestros e esquartejamentos de inocentes: essa não é, nem nunca será, a nossa índole. Não agiremos de maneira proporcional porque é justamente a nossa moral e os nossos valores que nos fazem eternos.

E a verdade, triste mas real, é que enquanto os filhos desse fundamentalismo comemoram e se orgulham, junto aos pais, pelas vidas destruídas e pelo paraíso ilusório cheios de virgens que supostamente os espera, nós, judeus, continuaremos brindando à vida (“lechaim”) e comemorando a libertação de um só refém como se houvesse ocorrido a salvação de todo um mundo.

É por essa salvação, de um mundo que merece ser vivido, que todas as nações civilizadas, andem elas ou não de moto, devem lutar.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895