O ocaso da vida

O ocaso da vida

Jamais alimentei a ilusão de ter uma vida longeva.

Gilberto Jasper

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“Felicidade é a combinação de sorte com escolhas bem feitas”. Li e gostei da frase porque sou algo como um ‘otimista realista’”. Sempre procuro ver “o copo meio cheio”, sem bancar o piegas que vê o mundo cor-de-rosa em tudo. Sou fanático pela profissão que abracei há mais de 40 anos com entusiasmo diário. Vislumbro inúmeros avanços vida afora, embora isso não signifique obrigatoriamente melhorias na qualidade de vida das pessoas. Curioso, procuro me inteirar das novidades, sem paixões cegas. As rugas ensinaram comedimento nos julgamentos feitos no calor da paixão.

Jamais alimentei a ilusão de ter uma vida longeva. Sim, gosto muito de viver, mas vejo por aí efeitos dolorosos de senilidade e abandono de idosos transformados em estorvo para as famílias. Nos últimos dias, tomei conhecimento de inúmeros episódios em que filhos enfrentam a encruzilhada do que fazer com os pais/avós que perderam a consciência.

Relegar um ser humano tão querido à reclusão de um lar geriátrico, clínica ou asilo soa desumano. Infelizmente há casos em que a manutenção da convivência familiar é inviável por diversos motivos. Às vezes não há parentes para cuidar do idoso. Noutras inexistem condições financeiras para bancar a internação ou a contratação de um cuidador.

Esse impasse, permeado por avassaladoras doses de emoção e dúvida, assola milhões de famílias que veem pais e mães sucumbirem à lenta falência das competências mentais. O aumento da longevidade, fruto dos avanços da medicina e da indústria de medicamentos, agravou o problema. Pessoas lembradas por seus familiares pela energia inspiradora de grandes realizações foram consumidas pelo tempo por doenças silenciosas que os condenaram a uma vida vegetativa.

Esta realidade, além de entristecer, me leva a pensar cada vez mais no peso que poderei significar para meus familiares ali adiante. Leio jornais todos os dias, exercendo a memorização. Simultaneamente, mantenho uma rotina de exercícios físicos orientados por um especialista e tento não incomodar meus filhos, amigos, colegas e vizinhos. Talvez tudo isso seja insuficiente, mas tentarei, até o fim, não ser um fardo para meus afetos. Rezo para que dê certo.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895