Pressão estética: quem se beneficia com a insegurança das mulheres?

Pressão estética: quem se beneficia com a insegurança das mulheres?

Especialista destaca os aspectos sociais e culturais por trás dos padrões de beleza

Camila Souza

Pressão estética é responsável por causar diversos problemas na saúde mental e física das mulheres

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Desde o nascimento, as meninas são colocadas em uma corrida exaustiva em busca de um objetivo impossível de ser atingido: o padrão de beleza. Durante toda a infância, adolescência e vida adulta, as mulheres são estimuladas a mudar seus corpos, rostos e cabelos para serem aceitas socialmente. E nenhuma mulher está livre de sofrer os impactos da pressão estética. Uma prova disso foi o recente relato da cantora Sandy, que afirmou não se sentir bonita e confortável sem maquiagem. A revelação causou espanto em muitas pessoas, porque a artista, sendo magra, branca, com cabelos lisos e aparência jovem, se encaixa em praticamente todos os requisitos do padrão de beleza. 

Há bastante tempo, a beleza deixou de ser uma característica para se tornar um uma exigência em um patamar inalcançável. Isso porque, conforme as mulheres lutam para se aproximar desse padrão, mais ele se distancia. “Somos socializadas na perspectiva de que não somos o suficiente, de que não somos boas o bastante e que estamos sempre deixando a desejar”, explica a psicóloga e pesquisadora Natalia Marques. “Isso traz um impacto muito severo na autoestima, um adoecimento físico e mental a ponto de ter cada vez mais casos de mortes de mulheres passando por procedimentos estéticos nessa expectativa de se aproximar de um referencial estético inatingível.”

Entre as principais consequências, a especialista destaca o surgimento de transtornos alimentares e psicológicos, que atingem mais mulheres do que homens. Conforme a pesquisa “Esgotadas”, feita pela Think Olga, sete em cada 10 pessoas diagnosticadas com depressão ou ansiedade no Brasil são mulheres. O mesmo estudo mostrou que a pressão para corresponder ao ideal de beleza impacta negativamente a saúde mental de 26% das mulheres entrevistadas, afetando principalmente as mais jovens. 

Além disso, as mulheres representam 68% dos diagnósticos de pessoas com transtornos alimentares no país. “A gente sabe que isso não tem relação com características biológicas, mas sim com características culturais, e essas expectativas em torno da beleza compõem um forte ponto nessa dimensão de como a cultura afeta nossa saúde mental”, pontua Natalia.

Se antes o referencial de beleza vinha através das capas de revista e dos programas na televisão, hoje, com as redes sociais, ele está muito mais próximo. “Essa cultura da imagem editada e, portanto, irreal, chega através das redes sociais como uma pressão muito mais ostensiva, porque ela está cotidianamente ali nas nossas relações”, diz a psicóloga. Ela também destaca o “sistema de compensação”, que são os comentários e reações às fotos. “Os feedbacks são imediatos. Segundos depois [de publicar] já tem pessoas reagindo à sua imagem. Então, as redes sociais ampliaram o impacto que a cultura tem em relação às exigências da nossa imagem.”

Quem lucra com a insegurança feminina?

A pressão estética atinge todas as mulheres, mas os impactos são sentidos de diferentes formas, dependendo de uma série de marcadores sociais, como raça e classe. Com isso, pessoas gordas, deficientes e negras não estão representadas no referencial de beleza, destaca Natalia. “A imagem ideal no mundo contemporâneo ocidental é de uma mulher jovem, magra, branca e de um nível sócio-econômico estável. Quando a cultura apresenta essas mulheres como as mais desejáveis e mais validadas socialmente, o impacto na autoestima e na própria identidade vai ser diferente”, explica. 

E na busca da validação social, surge a indústria da beleza, apresentando soluções para quem quer alcançar a aparência perfeita. Nos primeiros semestres de 2022, a procura por procedimentos estéticos aumentou em 390% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

De acordo com o Grand View Research, o mercado global de medicina estética foi avaliado em US$ 99,1 bilhões (R$ 512,80 bilhões) em 2021 e tem previsão de crescimento de 14,5% até 2030. Os dados são ainda mais alarmantes quando se olha para quem procura estes procedimentos. De todas as cirurgias plásticas estéticas realizadas no mundo em 2021, 86,1% foram em mulheres, conforme o International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS).

Se o mercado da estética cresce de forma exponencial, tendo o público feminino como principal consumidor, isso significa que as mulheres estão cada vez mais inseguras e insatisfeitas com a própria aparência. Por isso, muitas se submetem a cirurgias invasivas e com alto risco, desenvolvendo uma série de problemas de saúde.

Além disso, a psicóloga chama atenção para outra consequência: a perda da identidade. “Os rostos estão ficando cada vez mais padronizados, quase como se houvesse um processo de uma perda de identidade. E esse rosto vai se massificando na direção de um alvo que em algum momento, muito breve, vai ser transformado de novo”.

Essa corrida sem fim alimenta a indústria da beleza, que se reinventa a cada momento para continuar lucrando com a baixa autoestima das mulheres. “E essas inseguranças elas vão ser mais ou menos sentidas, a depender do quanto essas mulheres acumulam elementos que as distanciam desse referencial hegemônico de beleza do momento presente.”

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Um passo à frente na “prateleira do amor”

Se engana quem pensa que a pressão estética começa a ser sentida na adolescência, com o consumo de revistas e de produtos culturais que impõem um referencial de aparência. Ela começa a perseguir as meninas desde o nascimento, com a imposição do uso de brincos, por exemplo, e segue durante toda a infância, quando elas ganham bonecas bebês e itens de casa para brincar.

“Somos socializadas na perspectiva de que devemos ser cuidadoras, amáveis e delicadas e que a própria existência da mulher é validada pelo papel de conquista e de manutenção do amor romântico”, diz Natalia. Nesse contexto, a especialista explica que a pressão estética não se direciona apenas à imagem, mas também afeta padrões de comportamento. Ela destaca a hipersexualização de crianças e adolescentes no TikTok, por exemplo, através das danças. “Não é só a pressão estética, é a imagem em torno daquela mulher que desde muito cedo é ensinada a se constituir no mundo como alguém que precisa ser desejável por um homem.”

Além do depoimento da cantora Sandy, o relato de Ana Hickmann dizendo que seu ex-marido criticava sua aparência também mostrou que nenhuma mulher, por mais próxima que esteja dos padrões de beleza, está imune de sofrer os impactos. Natalia cita a autora Valeska Zanello, que discute o conceito da prateleira do amor. “É a ideia de que somos socializadas como produtos em uma prateleira para sermos escolhidas pelo homem. Algumas estão um pouco mais à frente, porque estão mais próximas do ideal hegemônico de beleza”, explica.

Contudo, ainda que algumas se destaquem na prateleira, a própria construção desse local de validação é uma forma de opressão e até mesmo de estimular a rivalidade feminina. “Ninguém está bem na prateleira do amor, porque estar nesse lugar de precisar ser validada a partir do olhar de um desejante de um homem já é violento. Somos socializadas nesse referencial e por isso mesmo rivalizamos entre nós, porque precisamos ser escolhidas, então a outra não é a nossa parceira, é a nossa concorrente.” 

A especialista enfatiza a importância de relatos como o de Sandy e de Ana Hickmann: “Isso ajuda a gente a reconhecer que o nosso sofrimento nesse sistema é compartilhado por muitas mulheres, mesmo por aquelas que nós julgamos como superiores ou melhores do que nós.” Além de depoimentos de celebridades, Natalia chama a atenção para a necessidade de pensar políticas públicas que envolvam a indústria cosmética para frear os impactos da pressão estética. Como o problema está enraizado na cultura e abrange muitas dimensões, somente os movimentos coletivos, de acordo com a psicóloga, podem reunir forças para ir na contramão dos padrões de beleza.


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