Rivalidade feminina: entenda o que está por trás da competição entre mulheres
Psicóloga Priscila Sanches e a socióloga Terezinha Vergo explicam os aspectos sociais que estimulam a rivalidade
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Desde a infância, as mulheres são incentivadas a competir umas com as outras. As listas de quem é a menina mais bonita da turma, a disputa de quem vai sair com o garoto mais popular da escola e até mesmo o padrão de filmes com grupos de meninas inimigas são fatores que estimulam esse comportamento. No mundo pop também é muito comum que as artistas sejam colocadas umas contra as outras. Um exemplo recente disso é o “duelo” criado entre Taylor Swift e Beyoncé, que devem conquistar lucros bilionários com as turnês “The Eras Tour” e “Renaissance World Tour”. Nas redes sociais e em diversos sites de fofoca, a principal dúvida é quem será a primeira a vencer a briga pela maior turnê da história da música. As cantoras, contudo, são amigas e nunca falaram sobre algum tipo de rivalidade.
Para a psicóloga Priscila Sanches, com formação em Saúde Mental, Gênero e Sexualidade, a competição entre as mulheres beneficia o patriarcado, um sistema sociopolítico em que os homens estão em situação de poder. “O grande cerne da questão é manter o poder no domínio masculino, porque se as mulheres não perceberem o poder que existe na própria união, elas nunca vão se acolher. Então, a rivalidade feminina é muito conveniente para esse sistema que a gente vive”, destaca.
A dificuldade de acolhimento entre o público feminino pode ser explicada pelo papel atribuído às mulheres há séculos, de acordo com a socióloga Terezinha Vergo. Para ela, a preocupação em sempre cuidar da própria família contribui para um comportamento individualista. “As mulheres sempre tiveram esse papel de formar o cidadão que vai para o público, mas elas não são essa pessoa que vai. Então, dentro dessa cultura ocidental de elas estarem sempre no ambiente privado, cuidando da própria família, do marido e dos filhos, existe a questão de que a vida dos outros não importa”, explica.
A socióloga também comenta que quando as mulheres se afastam do papel de cuidadoras da casa e vão para o mercado de trabalho, elas encontram um ambiente de competição. “A nossa sociedade é marcada pelo êxito, pelo sucesso, é bastante individualista. Por isso, quando elas se posicionam enquanto sujeito em sociedade, podem reproduzir esse comportamento.”
Essa cultura da competição prejudica as mulheres em diversas áreas e traz consequências principalmente no ambiente profissional. “Elas olham para outra em posição de destaque e não conseguem se admirar. É muito comum, inclusive, que fofocas surjam dentro das empresas quando uma mulher recebe uma promoção”, ressalta a psicóloga Priscila. Ela também lembra dos desafios que as mulheres enfrentam para se manter em posições de poder: “Elas não recebem os mesmos aplausos, não vão ter colaboração ao redor delas, muito pelo contrário, vai ser muito mais difícil se manter ali, porque as outras a verão como uma ameaça.” Nesses espaços, a competição pode até ser natural em alguns momentos, mas é preciso saber diferenciar quando ela deixa de ser saudável. “A diferença está quando você compete sem prejudicar, sem puxar o tapete, sem espalhar mentiras”, afirma.
Enquanto as mulheres são desestimuladas a se unirem, os homens, por outro lado, se unem em um senso de coletividade, chamado de pacto narcísico da masculinidade. “Esses comportamentos acontecem a partir da socialização. Tanto na socialização masculina quanto na feminina vamos ter diferentes comportamentos a serem incentivados ou podados. E os meninos são incentivados nessa irmandade. Eles internalizam a ideia de que precisam e vão se proteger incondicionalmente”, diz.
Como as produções midiáticas potencializam a rivalidade
As produções midiáticas são um dos fatores responsáveis por sustentar a cultura de competição. É comum ver diversos filmes e séries que apresentam um roteiro padrão de grupos de meninas rivais na escola, sempre em disputa pela popularidade e pela atenção de um garoto. “Essa rivalidade entre as personagens é muito pontuada pela beleza de uma e a suposta feiura de outra, ou a suposta inadequação da outra. O que faz a gente pensar, também, em como a beleza é um atributo que as mulheres precisam perseguir”, ressalta a especialista.
A busca incessante pelo padrão de beleza ideal também incentiva a rivalidade, justamente porque gera uma comparação. Priscila destaca que o sistema patriarcal pressiona as mulheres a ostentar beleza e juventude e que isso também é utilizado para criar afastamento entre elas. “Esse padrão de beleza nos atinge, não importa o quão consciente estamos. A ideia da mulher bonita é a que tem validação masculina, que é atraente. De novo tem essa questão da triangulação das personagens, sempre um homem no meio. Então, quem vai chamar atenção dele? É a garota mais bonita”, explica.
Para desestimular esse comportamento destrutivo entre as mulheres, a especialista destaca que é preciso unir a teoria, buscando entender sobre o assunto, com a prática, mudando atitudes que geram afastamento. “Se eu vejo que estou me afastando de alguém porque eu acho que ela é uma ameaça, eu posso me aproximar dessa pessoa e substituir a inveja pela admiração e pela inspiração”, orienta.
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