O Leão da Calábria – Uma Saga Histórica

O Leão da Calábria – Uma Saga Histórica

Mateus Ernani Heinzmann Bülow *

Capa do livro 'O Leão da Calábria'

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A escrita de sagas familiares é uma tradição gaúcha forte, assim como os desfiles do dia 20 de setembro, o chimarrão, as bombachas e o churrasco. Basta lembrar de “O Tempo e o Vento”, de Erico Verissimo, ou “A Casa das Sete Mulhere”s, de Letícia Wierzchowski. Nilson Luiz May presenteou a literatura gaúcha com mais um episódio, dessa vez sobre imigrantes da região italiana da Calábria, em uma trama simples e cativante, centrada num veterano que lutou na Albânia durante a Primeira Guerra Mundial.

Logo no início de “O Leão da Calábria”, o leitor é arrebatado pelo primeiro capítulo, em meio da ação e de muitas dúvidas: por que o hospital está em chamas? Por que o doutor apanhou um facão e uma espingarda, instrumentos antagônicos ao ofício de salvar vidas? No segundo capítulo, compreende-se a narrativa não linear da história, com idas e vindas em relação ao tempo e ao espaço físico. O protagonista aparece em seu momento derradeiro, rememorando sua vida nos delírios causados por um derrame cerebral.
A partir dos capítulos seguintes, a saga de Michele de Patta efetivamente se inicia após a partida da Itália rumo ao Brasil e acompanhando as dificuldades enfrentadas por ele, como pioneiro da medicina no sul do país e como pai de família. O melhor e o pior do Brasil aparecem no caminho do Doutor Michele e sua família, ao lado de conquistas e perdas, muitas delas causadas por situações alheias ao seu controle.
O conflito maior que dá seguimento a história, ocorre após o médico se envolver numa luta em defesa de um professor contra um truculento Intendente. Na segunda metade do livro, a batalha entre o personagem principal e o Intendente domina o cenário, com todos os elementos de uma tragédia grega, que nesse caso poderíamos chamar de “tragédia gringa”.
Diante de tanto horror belicista, o leitor moderno pode se perguntar: como se justifica tamanha teimosia e resiliência por parte de um doutor saído da Calábria, ao ponto de lutar até o fim em uma guerra perdida contra as instituições estabelecidas? A guerra na Albânia não teria semeado a fadiga do combate em sua alma?
Talvez encontremos a resposta na música “Merica, Merica”, de suposta autoria de Angelo Giusti. A canção virou um hino informal da imigração italiana ao Brasil, e logo na segunda estrofe vemos a frase “Siam partiti col nostro onor (Partimos levando apenas a nossa honra)”. Os italianos sabiam que a honra não podia ser tomada, mas poderia ser perdida, caso não se mostrassem dignos de merecê-la.
Outra explicação à disposição do combativo careca (como seus inimigos o chamam) está no objetivo dele: no continente europeu, Doutor Michele lutou por um país que nada lhe deu em troca, exceto miséria. Do outro lado do Atlântico, o médico lutava por sua família e o sustento da mesma. A família é a nossa pátria pequena em complemento à nação, e os italianos se tornaram brasileiros à própria maneira.
Com uma dose equilibrada de sensibilidade e dureza, Nilson Luiz May deixou a sua contribuição no rol das sagas familiares do Rio Grande do Sul. Um relato que deve ser lido como uma narrativa ficcional, mesmo tendo por lastro acontecimentos reais.

*Autor: Bacharel em Direito (Santa Maria). Autor de “Taquarê – Entre a Selva e o Mar”.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895