Nova inteligência e revolução criativa

Nova inteligência e revolução criativa

EdH Müller *

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Com o avanço das tecnologias de inteligência artificial, as chamadas “IAs”, a automação de processos e a premeditação de ações de mercado futuras tornaram-se ferramentas essenciais na administração de negócios. Tais IAs passaram a fazer posteriormente parte de outros ramos da nossa vivência, inclusive em nossas próprias residências. A crença popular afirmava que embora as IAs viessem a fazer cada vez mais parte da nossas vidas, elas jamais iriam substituir a criatividade humana, dada a complexidade do raciocínio subjetivo que a nossa mente e o processo criativo compreendem.

Estamos vivendo uma nova revolução criativa. Com a utilização de ferramentas gratuitas de IA na Internet, hoje é possível não apenas criar textos complexos como artigos, TCCs e roteiros para cinema, mas também ilustrações com resultados impressionantes, através da digitação de linhas de ordens de comando. Ou seja, trata-se da automatização de um dos processos mais complexos e valorosos da existência humana, que é o de fazer arte. No início a qualidade destes objetos textuais e visuais era limitada, parecendo tudo uma grande bobagem. Mas evoluíram até o momento em que uma destas imagens recebeu o prêmio máximo de um concurso de arte visual, causando furor na mídia especializada.
Se resgatarmos os livros de história da arte, podemos verificar que um ciclo de repete: a partir de 1830, com o surgimento da fotografia, a realidade começou a ser retratada com grande fidelidade ao clicar de apenas um botão. Assim nascia o surgimento das imagens técnicas, motivo de desespero para os pintores da época, afinal, todos os anos de estudo e prática em suas pinturas tornaram-se obsoletos, considerando que a pintura clássica se baseava em representar justamente a realidade. O mínimo a se dizer é que era concorrência desleal.
Com o passar dos anos, os artistas se reinventaram, buscaram novos sentidos para suas representações, criando estéticas visuais contrapostas ao que se julgava arte na época, em movimentos como o impressionismo e o cubismo, que valorizavam novas formas de criar, ver e sentir, nascendo assim os princípios da arte moderna e contemporânea. 
O intuito deste texto não é aqui discutir sobre se esta dita “arte” realizada por Inteligências Artificiais possui realmente algo de valor estético a qual possa ser reconhecida como arte, mas apresentar os potenciais e também os perigos destas novas ferramentas.
Como lado positivo, elas se configuram como poderosos instrumentos criativos, pois trabalham com a possibilidade de composições e relações visuais que extravasam o caldeirão cultural limitado da existência humana ao associar todo tipo de imagens e referências que existem na Internet.
Mas, justamente a forma como essas composições são formadas é que se configuram um problema, já que a IA na verdade cria uma interpolação de referências, inclusive com o uso de imagens licenciadas. Ou seja, aquela fotografia ou quadro pintado por você, que faz parte do seu portfólio online, poderá fazer parte da composição de uma nova ilustração. Assinaturas borradas são comuns de se encontrar nos resultados finais destas ferramentas.
No início deste ano, ilustradores e artistas conceituais iniciaram uma batalha jurídica contra as empresas detentoras destas IAs, a fim de discutirem propostas para o devido ressarcimento de uma comunidade que se sente prejudicada e, de certa forma, roubada. 
Tal qual a indústria da música lutou pelos seus direitos no passado, criando um novo modelo de consumo de música digital, grandes empresas que trabalham com a questão da imagem, como a Disney, por exemplo, deverão esboçar uma reação e, sem dúvida, fazer parte destes processos.
Lembrando que a criatividade sempre se utilizou da inovação tecnológica, desde o surgimento de uma nova tinta e de um novo pincel até o mouse de um computador, as IAs são o estopim de uma nova forma de pensar o maravilhoso ato de criar. Convenções deverão ser quebradas, mas desde que por um bem maior, sempre com ética e transparência envolvidas nestes processos.

 

* EdH Müller é ilustrador, empresário da área de games e professor universitário da Universidade Feevale.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895