Índio Behn: fenômeno dos personagens do feed e do palco

Índio Behn: fenômeno dos personagens do feed e do palco

Humorista, ator, criador de conteúdo, roteirista, diretor, músico e compositor concede entrevista ao Caderno de Sábado

Luciamem Winck

Humorista, ator, criador de conteúdo, roteirista, diretor, músico e compositor Índio Behn

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Indio Behn, que nasceu em Canoas e foi registrado como Moisés Serva Bem, é filho adotivo de Cachoeirinha há quase 30 anos. Humorista, ator, criador de conteúdo, roteirista, diretor, músico e compositor, começou a carreira aos 14 anos como músico profissional. Filho do garçom Walter e da confeiteira Marli Terezinha, ele é o caçula de oito irmãos. Foi a batalha dos meus pais que me fez ser muito corajoso. Tive muita sorte de ter apoio da minha família". Revela que o apelido Índio surgiu na adolescência, quando "era cabeludo". E Behn é uma variação do sobrenome. Mas foi na banda que o personagem ganhou forma. "Faltava uma figura exótica e, como eu tinha os cabelos compridos, comecei a usar duas trancinhas e uma pena na cabeça". Assim nasceu o cara de trança que hoje dá vida a divertidos personagens "da vida real".


Nasceste em uma família de artistas. Fala um pouco sobre essa veia artística...
Na verdade, a minha família de artistas começou na minha geração. Meu irmão mais velho começou a se interessar por música e a partir dele os outros foram contaminados (risos). Nós somos entre oito irmãos, cinco homens e três mulheres. As meninas se interessaram de forma menos significativa. Já os homens, todos trabalharam profissionalmente como músicos, em algum momento da vida. Na minha família vem muito disso. Meu pai é garçom a minha mãe confeiteira. Só que como a minha diferença de idade para meus irmãos é muito grande. Eles eram minha referência. Minha via artística começou a partir dos meus irmãos mais velhos, que me influenciaram muito.


Há quem diga que nasceste no palco e lá fizeste carreira. Em que momento você percebeu que a arte fazia parte da tua vida?
Na verdade, eu não me lembro da minha vida antes de querer ser artista. Desde muito cedo eu queria ter um instrumento musical. Ganhei meu primeiro acordeon com cinco ou seis anos. Lembro de momentos significativos da minha infância. Meu irmão mais velho já tocava profissionalmente. Não lembro de perto de um Natal ou do Dia das Crianças, meu pai perguntou se queríamos um violão ou uma piscina. Todos optaram pelo violão. Foi ali que começou toda essa história musical e eu fui muito influenciado. Meus irmãos têm muitos amigos músicos. Minha casa estava sempre cheia de música, sempre com ensaio, sempre com gente tocando. Para mim, isso era muito comum. Eu nunca quis ser outra coisa. Nunca pensei que havia outra possibilidade assim. Chegava a criar entrevistas imaginárias com Jô Soares e Hebe Camargo. Eu sabia o que eu ia falar para eles. Eu sabia como seria minha entrevista, eu sabia o que que eu queria falar. Então, ser artista sempre foi muito presente.

Começaste fazendo stand up comedy em eventos de segurança do trabalho, em 2009. Esse foi realmente o ponto de partida para uma carreira sólida e de sucesso?
Os eventos corporativos são extremamente significativos na minha história, porque foi onde eu comecei. Consegui respirar e ter um trabalho sustentável. Lá no início, enfrentei alguns equívocos, como realizar evento em espaço inadequado, sem muito filtro e sem experiência. Mas foi o que me ensinou muito, pois a forma como hoje eu conduzo uma plateia ou converso com as pessoas, vem desses momentos de dificuldades. Hoje é muito mais fácil fazer quando a plateia está afim, quando o ambiente é propício. 

Onde buscas inspiração para a criação de personagens tão engraçados e cheios de humor?
A inspiração para os meus personagens sempre são das pessoas reais. Eu brinco que é quase uma enganação, pois não estou criando nada, mas imitando. Gosto muito de imitar arquétipos. Acho que talvez por isso as pessoas se identifiquem com meus personagens, porque todos conhecem alguém que lembra ou parece com aquele personagem. Vejo muitos comentários nas redes sociais do tipo "minha amiga é igual a fulana... é igual a Marlene... é igual a Nair". Me baseio em pessoas reais. Tenho uma memória muito boa. Escuto as coisas e vou guardando, aquela frase, aquele aquela máxima que a gente ouve e eu sou apaixonado por olhar as pessoas. Sempre que estou em uma cidade fico observando, principalmente em lugares caóticos. Se estou em São Paulo, dou um jeito de ir na rua 25 de Março. Adoro ir ao Centro Histórico de Porto Alegre. Esses lugares são cheios de gente e de barulho. São ricos de pessoas muito interessantes. Meus amigos ficam me policiando, pois se tem algum assunto interessante, beiro a linha do indelicado de tanto que fico olhando a pessoa, observando o jeito que ela fala ou que mexe a mão. Se tem um assunto, quero saber onde é que aquela história vai parar. Às vezes faço reuniões em restaurantes ou cafeterias e perco totalmente o foco do que está acontecendo. Fico cuidando do que está acontecendo na outra mesa e o jeito que a pessoa fala. Então, a minha inspiração vem daí, eu adoro olhar rostos, observar o jeito que as pessoas caminham, imaginar seus nomes, como vivem, com o que trabalham. É uma brincadeira que faço com frequência, inclusive com meus amigos. Fico tentanto imaginar todo um background... Lembro de um dia estar com a minha mãe em um ônibus e eu vi uma mulher passar. E eu vi essa mulher passar e ela sumiu do meu raio de visão. Fiquei imaginando para onde ela iria. Eu a vi por 10 segundos, mas ela tem uma vida antes disso e ela tem uma vida depois disso. O andar pode traduzir se a pessoa está cansada. Uma roupa com tons vibrantes pode indicar que estou diante de alguém extrovertido. Adoro imaginar e criar essa vida das pessoas. A partir de várias observações, crio um background e toda uma vida. Meus personagens são muito baseados em pessoas reais, em coisas que eu vi... 

Quais são teus personagens preferidos e em que te identificas com eles?
Não tenho personagem preferidos. Tem alguns que eu gostaria de usar um pouco mais, como um personagem que eu fiz em 2015, que talvez seja o grande responsável pelo que eu sou hoje. É uma personagem que engaja na internet, mas funciona muito no palco. Gosto muito dele porque abstrai completamente a nossa realidade, mas na verdade eu tenho personagens que eu me identifico que são parecidos comigo. Eu brinco que talvez sejam alter egos meus, como a Marlene. Me identifico com ela por sou reclamão, mas não sou mau humorado. Quem não gosta de fazer uma fofoquinha? Por isso me identifico com ela. Mas também gosto da Rosângela, porque ela nunca sai do eixo. É sensata e a sensatez. Uma das coisas que eu enumero como uma das minhas maiores qualidades, que é ser uma pessoa fria, com a cabeça no lugar, sensato... Me identifico muito com esses personagens, mas eu gosto de fazer todos, curtos todos.


Em 2018, dirigiste o espetáculo “Com A Corda Toda”, que ficou em cartaz por 45 semanas em Porto Alegre. A que se deve tanto sucesso?
Foi uma loucura, porque a gente precisava construir esse público e era uma um desafio a cada semana botar público no teatro. A divulgação foi corrida. Chegou um momento em que já tínhamos ido a todos programas de TV e de rádio. E as pessoas começaram a comentar e como o espetáculo funcionava muito bem, as pessoas começaram a voltar a levar amigos. Mas foi uma uma uma trabalheira. As apresentações eram aos sábados, mas tomavam todas as nossas semanas. Foi um projeto muito legal, em especial porque trabalhamos muito nele. Era uma coisa exaustiva. Não tínhamos rotina, como a que tenho hoje, com criação de conteúdo e de vídeo. O palco tomava muito tempo. Tinha inclusive fazer a produção, além de atuar. 


O que o público pode esperar para os próximos meses? Algum novo personagem em criação? O que esperar para os próximos meses?

Em especial, muito conteúdo e muito vídeo. Quero começar cada vez mais fazer crossmedia, com projetos que contemplam vídeos, que vão para o palco. Do palco, tem uma música que vai para o álbum do Spotify. Quero muito apostar nesses projetos. Pretendo ainda apostar em especiais audiovisuais, que são essas novelinhas que eu gosto de fazer, com início, meio e fim. Quero começar a gravar séries que aprofundam o personagem, com ênfase no passado e no presente. Quero criar novos personagens novos. Inclusive há dois na agulha (risos). Um deles vai envolver a terceira idade. Será uma personagem um pouco mais velha. Mas geralmente as coisas são assim, muito embrionárias. Eu crio a ideia e a insiro nos vídeos, os personagens que já existem começam a comentar dessa nova personagem antes dela aparecer e aí vou medindo o engajamento. E aí como é esse personagem já foi assunto de vários vídeos, quando ele chega a surgir, já sei várias coisas sobre ele. Então eu estou nesse processo com essa primeira personagem que é mais velha, dela aparecer nos vídeos como assunto. Em breve ela deve começar a aparecer mesmo. 

Qual é a maior dificuldade que encontras para criar um personagem? 
Não tenho muita dificuldade. Acho que o principal é achar a voz do personagem. O jeito que ela fala diz muito sobre sua personalidade. E principalmente o visual. Eu sou uma pessoa muito visual. Por isso aprimorei todas as minhas técnicas de maquiagem. É importante que o figurino seja bom, pois eu preciso enxergar a pessoa que me serviu de inspiração. É preciso que eu não me enxergue ali e perceba que há uma diferença muito grande entre aquele personagem e outro para que eu possa quebrar completamente o link com qualquer outra personalidade minha e qualquer outro personagem e criar uma nova vida. Então, o ponto de partida é a voz e o visual. 


De que maneira a pandemia da Covid-19 afetou o teu trabalho?
A pandemia afetou meu trabalho, principalmente nos meses em que ficamos completamente confinado. Eu aproveitei para gravar vídeos e produzir conteúdos para as redes sociais. Naquela época tudo que a gente falava sobre pandemia tinha muito engajamento. Então estourou um vídeo meu que foi o que responsável por eu ter seguidores hoje, por ter engajamento. O vídeo, que retratava a Marlene na quarentena, viralizou. Aí comecei a ganhar muitos seguidores no Facebook e isso que fez desencadear todas as coisas que estão acontecendo hoje. É por causa daquele vídeo eu comecei a fazer vídeo todo dia de Marlene, aí chegou uma hora que eu achei chato a Marlene falando sozinha sempre, aí eu criei a Rosângela pra falar com ela, aí com o tempo ficou saturado eu criei a Nair, que começou a falar de um possível namorada da Marlene. Surgiu o Cláudio, a amiga rica, o guru espiritual. Tudo aconteceu a partir daquele vídeo gravado no início da pandemia. 


És ator, comediante, cronista, roteirista, diretor de teatro, músico, blogueiro e um eterno operário do entretenimento. Como concilias todas as tarefas e todos os compromissos?
Nem sempre dá pra conciliar. É uma bagunça, um caos. Mas o segredo é tentar ser o máximo, o máximo de organizado possível. Mas sempre escapa alguma coisinha, alguma coisa que deu errado na programação, às vezes a margem de erro e de tempo é pequena, é algo que atrasa, alguma coisa que foge do nosso controle. Mas no máximo que eu consigo, sou muito organizado O segredo é organização e disciplina. Como conta com fator externo o que fica da minha parte tem que ser organizado, que é o jeito de diminuir a margem de erro.

É verdade que pegaste gosto pelo humor escrevendo nas redes sociais, em 2011? 
Estou na internet desde que tudo era mato (risos). Como eu já tinha uma carreira como músico, antes de ser humorista, já tava presente desde o Orkut, criando conteúdo para meus trabalhos musicais. Quando chegou a era dos blogs, eu vi ali a possibilidade de falar com alguém. Sempre fui de rir muito. Minha família é muito engraçada. Nas bandas em que trabalhei, a gente ria muito e eu comecei a escrever blogs e todo mundo tinha blog. Era de graça e na época tinha os agregadores de link e seu teu conteúdo fosse bom, seguia para a capa do agregador. A gente ganhava muita visualização. Foram nos blogs onde comecei a criar conteúdo de humor.


Esperavas que o primeiro personagem, criado em 2012, fosse transformar tua vida, com a conquista de milhares de seguidores na internet?
Na verdade não, mas a gente faz esperando que dê certo. Mas hoje o meu trabalho é uma rotina de uma maneira que eu nunca imaginei que fosse chegar. Estou em um lugar que nunca imaginei estar e onde cheguei em consequência das várias coisas que eu fui fazendo, incluindo o primeiro personagem. Acho que nunca tem como a gente ter noção sobre onde as coisas vão nos fazer chegar. A gente sempre faz para dar certo, querendo um resultado positivo, mas não tem como imaginar o que que vai acontecer.


Tens formação de ator, palhaço e roteirista. Como consegues fazer piadas que arrancam gargalhadas de crianças e idosos ao mesmo tempo?
Acho que tem muito a ver com a minha formação de palhaço. Foi onde eu comecei a explorar esse negócio. No início, muitas pessoas acreditavam que a gente tinha que ser ácido, mas quando eu fui conhecendo o universo do palhaço, descobri que às vezes é só rir de uma bobagem. E eu acho que é muito isso. Comecei a descobrir esse humor do cotidiano. Acho que as pessoas se identificam muito porque são coisas que elas vivem, conhecem e até já vivenciaram. Acredito que seja isso e o meu trabalho é muito baseado em fazer o humor reverente. A gente quando fala que faz um humor irreverente, ao contrário de uma reverência, ou seja, diminuir alguém, eu faço humor reverente, eu sustento ao máximo não diminuir ninguém. E acho que por isso as pessoas se identificam, porque podem assistir em família. Eu tento fazer com que todos se divirtam. 


Como é ser um dos nomes mais relevantes da nova geração de humoristas do Rio Grande do Sul?
Nem me considero mais uma nova geração. Estou com 10 anos de carreira e já rodei muita estrada. Trabalho muito e sempre trabalhei muito. Não entendo muito esse posto, esse título. Apenas só trabalho, trabalho e trabalho para construir cada vez mais e estou sempre buscando melhorar. Sou muito prático com as coisas. Eu só trabalho. É a minha a minha meta de sempre trabalhar muito, melhorar o que eu já faço.


Quais teus planos para o futuro?
2023 é um ano em que eu vou rodar muito com teatro. O espetáculo Causo de Família será apresentado em vários lugares. Eu e Maikinho Pereira faremos vários personagens. Estamos nos preparando para rodar muito. Tem ainda o espetáculo Gratiluz, da doutora Rosângela, com pré-estreia ainda esse ano, mas a grande estreia é no Porto Verão Alegre. Além de rodar com esses espetáculos, quero fazer mais vídeo, mais conteúdo audiovisual, melhorar os roteiros, criar mais personagens e seguir trabalhando, tentando melhorar o trabalho cada vez mais.

 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895