Tim Bernardes equilibra profundidade e leveza em novo álbum

Tim Bernardes equilibra profundidade e leveza em novo álbum

Na semana em que lança “Mil Coisas Invisíveis”, seu segundo álbum solo, Tim Bernardes concede entrevista ao Caderno de Sábado

Caroline Grüne

"Estou tentando compor canções que eu gosto, que falem alguma coisa pra mim"

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O paulista Tim Bernardes lançou seu segundo álbum solo, “Mil Coisas Invisíveis”, na terça, 14. O cantor, compositor e multinstrumentista está à frente da banda O Terno desde 2009, colaborou com grandes artistas como Gal Costa e Maria Bethânia e já recebeu indicação ao Grammy Latino. Em entrevista ao Caderno de Sábado, Tim falou sobre o processo de composição do último disco e sobre a evolução da carreira. O compositor ainda relembrou seu primeiro show no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, que, ele diz, "marcou o início de uma fase em que passei a me sentir mais confiante no palco”. “Mil Coisas Invisíveis” foi lançado pela Coala Records, selo do Coala Festival.

Esse é o segundo álbum solo. Mas com O Terno, você já tem outros quatro. Como é a construção de um disco? Chega um momento que você pensa que está na hora de reunir algumas composições já feitas ou primeiro vem um conceito maior? Como é esse processo e como foi com o “Mil Coisas Invisíveis”?

Normalmente eu estou tentando compor canções que eu gosto, que falem alguma coisa pra mim e reunindo elas. Então na época que a gente pensa em fazer um álbum pro O Terno, ou se eu estiver pensando em um álbum meu, eu junto essas canções e vejo como elas se relacionam. No caso da banda, nós avaliamos juntos e vemos quais são as favoritas. Mas tanto o “Recomeçar” (primeiro álbum solo do Tim Bernardes) quanto o “Atrás/Além” (último disco do O Terno) foram casos diferentes. No “Recomeçar”, eu tinha uma série de canções que eram muito íntimas e mais densas emocionalmente do que eu estava acostumado, então eu fui guardando por um tempo. Quando olhei, elas se relacionavam muito entre elas. Aí eu vi um conceito de disco e resolvi amarrar isso. O “Recomeçar” teve isso de ser quase uma peça única, uma soma de canções. Assim que eu gravei ele, eu fiquei sem nenhuma música. E eu sempre tinha alguma coisa no baú e trabalhava a partir disso. Daí meio no desespero de “será que eu vou compôr mais alguma coisa na minha vida ou não?”, eu comecei a compôr canções nesse vazio que se conversavam tinham a ver com esse momento de rito de passagem e chegada da vida adulta. O último disco do O Terno, “Atrás/Além” acabou sendo assim. Acho que foi o único disco que eu compus como um álbum. Até antes de compor, as canções vinham se relacionando. O “Mil Coisas Invisíveis” foi meio misturado, eu fui compondo e sentia, intuía um clima que eu achava que podia estar presente no disco solo. Quando em 2020 parou tudo, eu parei e comecei a olhar essas músicas e vi que elas realmente se conversaram mesmo sem ter pensado num disco ou conceito. Então eu comecei a compor mais canções que tinham a ver com esse sentimento, do ser, da presença das coisas para além do nosso mundo automático. Com o breque da pandemia, essa dimensão mais essencial da existência surgiu forte pra mim. De pensar no espírito das coisas. Então eu fui juntando um repertório que embora fosse mais eclético e funcionasse como músicas avulsas tem uma coesão. 


E esse olhar pra dentro, esse exercício de reflexão filosófico que você traz no álbum, foi também um lugar para onde muitas pessoas tiveram que correr durante a pandemia.

Eu acho que mais que ter que correr, não teve mais como correr de. Porque a gente esquece que a gente existe, que a existência é uma coisa… tipo assim, a gente pensa que tá no trabalho, no Zoom. Mas a gente tá num planeta, numa galáxia, tá tudo girando e isso é chocante. A gente esquece disso. Então quanto tudo brecou, esse silêncio ficou mais gritante e a gente começou a reparar. E é muito bonito poder contemplar isso. Assim os assuntos podem decantar e a gente ver com mais clareza, não ver só as imagens pré-concebidas com que a gente se relaciona. Parece meio abstrato eu falando, mas são coisas bem objetivas.

Temas como o amadurecimento, autoconhecimento e relações são recorrentes nas suas composições. Como foi revisitar e compor sobre esses sentimentos nesse novo álbum?

Pra mim quase não é uma revisita porque eu nunca parei de refletir e escrever sobre eles. Então esse é um momento em que eu apresento mais uma safra. São exatamente essas reflexões que tu colocou, mas talvez agora o observador esteja diante de coisas ou mais amplas ou ainda mais sutis. Tem momentos mais românticos, tanto sofridos quanto alegres, tem um pouco de tudo no disco. Eu não tinha intenção de fazer um disco denso ou pesado, mas ele observa coisas profundas. Tentando trazer a clareza e a leveza disso. Mas vejo ele como uma extensão.

Na sua carreira, além do O Terno, você costuma fazer parcerias. Já no “Mil Coisas Invisíveis”, você fez muitas coisas sozinho: na composição, na voz e tocando diferentes instrumentos. Houve um motivo para essa escolha?

O meu trabalho solo é um pouco esse momento onde eu posso explorar isso. Porque eu gravo os instrumentos todos, faço as demos pensando em como a bateria tocaria e como o baixo faz. Eu gosto de ter clareza de um arranjo e poder realizar ele, eu mesmo, com todas as nuances e detalhes. É uma coisa diferente da banda, por exemplo, que é um espaço para outra coisa - de encontrar o que a gente tem de interessante tocando juntos. Tem prós e contras. Tem horas que é muito legal ver que realmente consegui imprimir a intenção… é quase como se eu tivesse cantando todos esses instrumentos. É um baixo que eu cantaria, uma bateria que eu cantaria assim e eu tentando reproduzir isso. Então a composição ela continua ali. Sou um compositor também tocando bateria, baixo, piano e violão. Essa parte pra mim é muito empolgante e o disco solo é um espaço pra isso. Agora, esse isolamento é difícil. E um disco que eu já estaria isolado acontecer durante 2021, em ondas fortes de isolamento, acho que a cabeça fica meio abalada e isso abala o resto. Eu gosto muito de ficar sozinho gravando, mas ter que ficar sozinho, não poder gravar e depois encontrar os meninos da banda no bar e conversar, isso bitola a gente um pouco. Foi um disco que foi difícil em muitos momentos porque não tinha pra onde espairecer. O meu momento sozinho é legal porque é um contraste com o momento junto. E não ter esse momento junto deixava tudo meio pesado, então eu tinha que manter a calma e manter o disco legal. 

Nos últimos anos você colaborou com grandes artistas como Gal Costa, Maria Bethânia e Jards Macalé. Essas parcerias influenciaram sua forma de compor?

A influência pra mim tem a ver com confiança, no melhor sentido. De acreditar em você mesmo um pouquinho mais. Tipo, tem outras pessoas gostando, sabe. Vou arriscar essa outra ideia que talvez eu tivesse timidamente tentando colocar nessa canção ou me sentir com alguma solidez pra tentar me colocar de uma maneira mais ousada nas músicas e mais inserido na cena da música popular brasileira. Tem a ver com isso, com como me vejo como artista, com novos horizontes que eu posso pensar criativamente. Então nos trabalhos solo talvez essa seja a influência. E durante a parceria é uma alegria poder curtir, fazer algo que não é parte da minha discografia, com O Terno ou solo. São criações independentes de uma linha do tempo discográfica. Tô fazendo algo com a Gal, vou fazer como eu quiser ser aqui e agora. Ou vou compor uma música com o Macalé que não tem obrigação de conversar com outras músicas do meu disco. Então estar com o outro é um espaço de liberdade que eu gosto muito. 

Como está sua expectativa para essa nova fase da carreira? Hoje, já consolidado como um artista da cena nacional, quais são as suas projeções para o futuro?

Eu vejo tudo muito como uma construção. Eu não busco a ilusão de saltos, de tipo agora vai virar desse jeito ou daquele. A gente sempre acreditou em fazer músicas que a gente gostava e chegar em mais pessoas. No coração da pessoa mesmo. Isso desde o “66” do O Terno. A gente tem um disco que a gente gosta, vamos tentar lançar isso da melhor maneira possível e falar com as pessoas. Agora já tem quem conhece, vamos lançar o segundo e falar com mais pessoas. Pensar assim gradualmente, sem saltos, acho que é saudável para ser algo duradouro. Claro que nesse caminho coisas novas vão surgindo, essas parcerias com artistas que sempre amei e respeitei, veio desse contínuo mas é novo. Esse disco, lançado com um selo internacional, é algo novo. Poder tocar em países que não toquei ainda, abrir a turnê do Fleet Foxes, são coisas novas que vem de um trabalho contínuo, mas são novidades. A gente vai descobrindo o sonho ao longo do caminho.

No segundo semestre você começa a turnê pelo Brasil. Já tem planos de vir para Porto Alegre? 

A partir do fim de agosto começam os shows nas capitais do Brasil. Porto Alegre deve estar incluída ainda nesse segundo semestre. A turnê continua no ano que vem, ou voltando para cidades que já fui ou indo para cidades novas.

Tem alguma lembrança de algum show no Rio Grande do Sul que te marcou?

Eu tenho super. Acho que o primeiro show do O Terno no Theatro São Pedro, que foi a primeira vez que toquei lá, eu tenho uma memória especial. Acho que ainda era com o álbum “Melhor do Que Parece”. Foi a primeira vez que eu me senti verdadeiramente à vontade no palco, talvez na minha vida, assim. Sempre foi legal, mas sempre tive uma timidez. Chegando naquele lugar lindo, com os ingressos esgotados, o disco já tava num momento que tinha pegado no tranco mesmo. Foi uma soma de confianças nossas como trio e minha como pessoa. Eu senti que as pessoas gostam, que dava pra relaxar e curtir. Porto Alegre marcou o início de uma fase em que eu passei a me sentir mais confiante no palco. Eu espero ver todo mundo em breve. Quero muito voltar para o Theatro São Pedro que é um lugar muito especial e que eu espero tocar sempre.

 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895