Os 68 anos da Discoteca Natho Henn

Os 68 anos da Discoteca Natho Henn

Paola Oliveira *

Máquina de escrever partituras é um dos objetos da exposição

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Quando fui convidada pela atual diretora do Instituto Estadual de Música e da Discoteca Pública, Adriana Sperandir, para realizar a exposição sobre dos 68 anos da Discoteca Pública Natho Henn não imaginava que encontraria um acervo com tanta diversidade de suportes tecnológicos musicais. Para concretizá-la, passei três meses descobrindo discos, compactos, CDs, fitas k7 e livros de diversos gêneros musicais, partituras, fotos, gravações ao vivo e suportes fonomecânicos como gravador de rolo, uma máquina de escrever partituras e muitos toca-discos. 

A cada descoberta, uma alegria sonora e uma dificuldade enorme para selecionar os itens que seriam expostos. A pesquisa foi enriquecida graças a uma importante bibliotecária da Discoteca, Eloisa Franzen Bernd, hoje aposentada, que trabalhou neste acervo por mais de 40 anos, bem como seus atuais servidores e minha equipe: a diretora de arte Joice Giacomoni e o editor Fábio Lobanowsky, responsável pelas imagens e pela edição dos vídeos. Dentro do enorme acervo, encontrei muitas taxações de jornais com apresentações musicais, de quatro décadas, dos grandes festivais nativistas às pequenas apresentações. Está ali a história das apresentações ao vivo no Rio Grande do Sul. Material de extrema relevância para pesquisadores e musicólogos. 

Realizar essa exposição é também trazer ao debate a importância da preservação dos acervos musicais no Brasil, pois muitas vezes a arte é tratada como periférica, sem valor econômico, social e histórico. A música faz parte do cotidiano dos sujeitos e ela apresenta de forma simbólica os períodos históricos da humanidade. Mostra a filosofia de uma época, as concepções de mundo através das estéticas sonoras, por isso a importância da preservação de acervos musicais que estão em discotecas e museus.

A Discoteca foi inaugurada em 1955, é administrada pela Secretaria de Estado da Cultura (SEDAC) através do Instituto Estadual de Música (IEM), um sonho concretizado pelo professor e pianista Natho Henn, seu primeiro diretor. O objetivo inicial da Discoteca foi o trabalho educativo musical, as audições públicas através da difusão da música erudita, o estímulo ao gosto e capacidade de apreciação musical, bem como proporcionar lazer e entretenimento.

A Discoteca resguarda a memória da música clássica ao nativismo, passando pelo rock ao samba, do choro ao jazz, da música instrumental brasileira às clássicas trilhas de cinema. São quase 70 mil itens, incluem 17 mil partituras dos acervos particulares dos compositores Natho Henn, Armando Albuquerque e Luis Cosme, além de manuscritos diversos. Entre alguns doadores estão o Instituto Goethe e o Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore. 

Neste ano de 2023, começou a ser digitalizado parte da produção musical gaúcha, através da Plataforma Acervos da Cultura da Sedac. Já estão disponíveis os documentos de Natho Henn e em breve estarão de outros compositores gaúchos. O processo ainda é longo, pois requer contratação de mais funcionários e negociação de direitos autorais para inserir fonogramas. Além da digitalização, a Discoteca segue com projetos de cursos de formação tecno-musical, a volta das audições comentadas e o acesso ao acervo físico mediante agendamento prévio.

Foi na Discoteca que muitos ingressaram no estudo da música clássica de forma gratuita, através das audições comentadas; ali também aconteceram audições para a preparação aos Concertos para Juventude da Ospa, bem como aulas de flauta doce, violão e musicalização para crianças. As audições comentadas foi uma ideia inicial da professora e diretora da Discoteca, Maria Marques e seguiu com a coordenação e direção do professor de história Luiz Roberto Lopez. Mostrava a história e a evolução das formas musicais. Os roteiros das audições comentadas do professor Lopez estão resguardados nesse acervo. 

Mas o acesso mais popular à Discoteca se deu através da apreciação de álbuns de vários gêneros musicais através das audições individuais, quando a circulação da música gravada era difícil. Ali era possível escolher e escutar um disco de vinil com fones de ouvido e ainda gravar uma cópia em fita K7. Esta talvez seja a memória mais lembrada da Discoteca nesse espaço público sonoro. 
Também havia shows ao vivo, o que gerava o contato entre artistas e público. O primeiro disco do Bebeto Alves de 1981, antes do seu lançamento oficial, estreou numa audição comentada. As audições, shows, palestras e cursos eram registrados num gravador italiano da marca Geloso que está preservado, bem como, as muitas fitas rolos dos encontros musicais. 

A Discoteca passou por diversos lugares em Porto Alegre. Nasceu num lindo casarão na praça Dom Feliciano (1954/1960), esteve nas ruas Carlos Chagas, Uruguai e Vigário José Inácio (1960/1975) e na rua Otávio Rocha (1975/1983). Foi para Hotel Majestic - posteriormente Casa de Cultura – (1983/1989), após ao Museu do Trabalho (1989/1990) e permanece, desde 1990 até agora, no 4º andar Casa de Cultura Mario Quintana. 

Os espaços que hoje compõem a Discoteca são a Biblioteca Armando Albuquerque, Auditório Luis Cosme, Palco Lory F, Sala Radamés Gnattali, Sala Irmãos Moritz e Espaço Lupicínio Rodrigues. Nesses 68 anos foram 18 diretoras/diretores que coordenaram o espaço, entre eles estão Carlinhos Hartlieb, Flávio Oliveira, Celso de Barros, Ariete dos Santos, Andrea de Ávila e Cida Pimentel. 

Discoteca

Natho Henn foi um compositor, concertista, pianista e professor. Nasceu em Quaraí em 1901 e desde pequeno foi incentivado pela mãe ao estudo musical. Formou-se professor de piano no Instituto Verdi em Montevidéu. Ao chegar em Porto Alegre se tornou fiscal do ensino musical da Secretaria do Estado da Cultura do RGS. Ele ensinava aos seus alunos que era importante ir além da técnica e buscar uma linguagem musical própria. Em 1955 inaugurou a Discoteca Pública; no ano de 1956 implantou o Auditório Luis Cosme e em 1958, permaneceu como técnico de música do Theatro São Pedro. 

Natho Henn trazia nas suas obras as tradições do folclore rio-grandense. Era considerado um “pós-romântico modernista”, entre suas criações estão as composições para piano A Carreta e Tapera. Criou bailados como Procissão (e festa) dos Navegantes e Ymembuí. Já para o canto coral estão Caravelas e Trovas. Ele afirmava que os hábitos e o ambiente que rodeia o artista deviam influenciar a sua obra. Também lembrava que a educação e a arte precisavam andar juntas, “caso contrário a educação estaria incompleta”. E defendia a música popular como arte: “ Os impulsos são os mesmos que movem o músico culto com o artista popular. Conhecimento e a autenticidade não deixa de ser a arte também”.


Natho Henn morreu aos 57 anos em Porto Alegre e em 1959, o então governador Leonel Brizola dá o nome à Discoteca Pública do Rio Grande do Sul de Natho Henn. Entre os seus interpretes estão os pianistas Miguel Proença e Olinda Alessandrini. Ao visitarem a exposição, o público poderá conhecer um pouco da história de seu fundador, o percurso e as preciosidades guardadas pela Discoteca nessas seis décadas.

EXPOSIÇÃO

O Quê: Discoteca Pública Natho Henn 68 anos 
Local: 4º andar Casa de Cultura Mario Quintana (Andradas,736). 
Visitação: até 1º de dezembro, de terça a domingo
Horário: das 10h às 20h. 
Quanto: Entrada franca.

 

* Jornalista, produtora cultural, mestre em Comunicação, especialista em Direito Autoral. 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895