Excelência da literatura afro-brasileira
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Quem observou o surgimento da Literatura afro-brasileira, pelos anos 1980 e seu desabrochar, nos anos 2000, não se surpreende com o nível de excelência atingido nos dias de hoje pela assim chamada Literatura afro-brasileira ou Literatura negra. Na 69ª Feira do Livro de Porto Alegre, realizada nas duas primeiras semanas de novembro deste ano, o número de lançamentos, de mesas-redondas, de palestras e de sessões de autógrafos, realizados em torno da literatura afro-brasileira, foi sem dúvida inédito, constituindo-se em uma das atrações da Feira.
Comparando com o período em que redigi minha tese de doutorado, entre 1984 e 1987, cujo tema foi a emergência de uma poética negra na Literatura brasileira em perspectiva comparada com a literatura negra de língua francesa do Caribe, o aumento em número, em diversidade e criatividade foi exponencial. Para além dos nomes que foram fundamentais nos anos 1990 como Cuti (Luiz Silva), Esmeralda Ribeiro, Miriam Alves, Márcio Barbosa, Oliveira Silveira, Oswaldo de Camargo e Domício Proença Filho, vemos surgir de 2010 em diante, uma nova geração, seguida, em 2020, por uma novíssima geração que assombra pela quantidade e qualidade de suas produções poéticas, como podemos observar nos Cadernos negros, n. 43 (2020) e 44 (2021). Essa nova leva de poetas inclui nomes como Cristiane Sobral, Nelson Maca, Tatiana Nascimento, Lívia Natália, Mel Adún e Conceição Evaristo, entre outros. É como se muitos tivessem hesitado em proclamar sua pertença à cultura afro-brasileira e que, de repente, essa afirmação tenha se tornado uma urgência. A literatura negra tem muito a ver com o despertar do orgulho de pertencimento à cultura afro-brasileira.
Importante ressaltar, não somente o aumento no número de autores, como também a persistência e o aprimoramento dos que inauguraram essa poética que seguem – mais de quarenta anos após o início com o n° 1 dos Cadernos negros, de 1978 – publicando de forma cada vez mais aprimorada, denunciando todas as modalidades de racismo. Isso aconteceu, não somente em São Paulo e no Rio, mas também no Maranhão, com o poeta e compositor Salgado Maranhão; em Minhas Gerais, com Anelito Pereira de Oliveira e Edimilson de Almeida Pereira e no Rio Grande do Sul com Oliveira Silveira, Ronald Augusto e Richard Serraria.
Oliveira Silveira, no dia 20 de Novembro, dia da Consciência Negra, recebeu uma inédita honraria: a distinção póstuma de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), proposta pelo Instituto de Letras, onde fiz minha formação e lecionei durante 30 anos. Vale lembrar aqui a característica maior de Oliveira Silveira, Doutor Honoris Causa pela Ufrgs: fazer poesia afro-gaúcha, lembrando que ele estava no grupo de Jovens Estudantes que, na década de 70, levantaram a bandeira para a criação do Dia Nacional da Consciência Negra, no dia 20 de novembro, como mostra esse poema:
Vinte de Novembro
Dia vinte de novembro
entre as palmeiras do Palmar,
Dia vinte de novembro,
entre as montanhas do Palmar,
os duros músculos do herói
guiando seu braço ágil
na luta desigual.
Dia vinte de novembro,
entre os riachos do Palmar,
o sangue-húmus de Zumbi
derramando-se ao chão
para fertilizar.
Dia 20 de novembro,
entre mensagens do Palmar,
tambores de orgulho e brio
conclamando a lutar.
(Poemas, Antologia, 2009, p. 80)
Foi com grande emoção que assisti a homenagem da Ufrgs ao poeta que privilegiou a temática afro-gaúcha, já que analisei seus poemas em minha tese de doutorado sobre literatura afro-brasileira, que foi publicada em 1987, com o título de “Literatura e identidade na América latina”, com reedição em 2018. Aproveitamos a semana da Consciência negra para homenagear um de seus idealizadores, Oliveira Silveira, poeta com o qual, no dizer de Oswaldo de Camargo, a “Literatura brasileira ganhou um atalho inesperado para olhar mais de perto o negro no sul e no resto do país” (Camargo, O. Contracapa de Poemas de Oliveira Silveira).
Aproveitamos igualmente para anunciar a preparação de nova edição da “Antologia de Poesia Afro-brasileira”, editada pela Mazza edições, em 2011, para celebrar os 150 anos de Consciência negra no Brasil. A nova edição, além de incluir autores que publicaram nas duas últimas décadas, apresentará um número bem maior de autoria negra no feminino. Esperamos comemorar, no Dia da Consciência Negra de 2024, mais esse lançamento da Mazza edições de Minas Gerais, dedicada à divulgação da cultura afro-brasileira.
REFERÊNCIAS
Cadernos negros; poemas afro-brasileiros. V. 43. São Paulo: Quilombhoje, 2020.
BERND, Zilá. Negritude e literatura na América Latina. Porto Alegre: Cirkula, 2018.
SILVEIRA, Oliveira. Poema – Antologia. Porto Alegre: edição dos Vinte, 2009.
* Professora, pesquisadora 1A Cnpq